Havaianas da discórdia e o marketing negativo
Toda vez que uma marca cria confusão aparece a mesma frase: "Ah, mas deu engajamento". É verdade. Assim como um incêndio dá audiência no jornal. Mas foi marketing… ou só barulho? Existe, sim, marketing negativo. Não é novidade. Quando bem usado, é ferramenta inteligente e até elegante. O problema é quando se confunde negatividade estratégica com militância ideológica, achando que é a mesma coisa porque "viraliza". Não é.
, atualizado
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Marketing negativo de verdade não odeia o público. Usa fricção sem desprezo, humor sem arrogância, ironia sem dedo em riste. Provoca, mas não divide o mundo em bons e maus.
A Volkswagen fez isso nos anos 1950 ao assumir que o Fusca era pequeno e estranho: "Think small". Transformou defeito em identidade. As Havaianas fizeram o mesmo nos anos 1990 ao assumir o estigma de "chinelo barato" e virar o jogo com "todo mundo usa". A Bombril brincou durante décadas com suas limitações e construiu confiança com autodepreciação honesta. A Skol provocou a experiência ruim, não o consumidor, com o "desce redondo". O Itaú partiu da desconfiança histórica contra bancos para tentar humanizar relações. O Guaraná Antarctica criou um vilão abstrato: o artificial, o sem identidade.
Essas marcas criticaram comportamentos, experiências ou percepções — nunca o caráter do consumidor. Usaram humor e franqueza, não julgamento. Convidaram o público a rir junto, não a se defender. Não exigiram alinhamento ideológico para vender.
Quando a negatividade vira instrumento de correção moral, a marca para de dizer "isso é o que somos" e passa a dizer "isso é o que você deveria ser". O consumidor deixa de ser parceiro e vira problema a ser corrigido.
Aí surgem boicotes, polarização e perda de escala, porque a marca trocou mercado por militância. Marketing negativo saudável provoca sem romper o vínculo. Marketing ideológico rompe o vínculo em nome de aplauso.
Treta gera clique. Confiança gera recompra.
Antes de apostar nesse caminho, toda marca deveria se perguntar: estamos usando a negatividade para esclarecer quem somos ou para corrigir quem o cliente é? A primeira constrói identidade. A segunda, conflito.
Publicidade trabalha com camadas. Com leitura implícita, com piscadela, com códigos compartilhados por quem "entende do assunto". Não é panfleto, é sinalização.
Negar isso é negar como a comunicação contemporânea funciona.
Portanto, o debate não deveria ser se "foi ofensivo" ou "não foi", mas se houve intenção simbólica ao escolher esses elementos.
E quando alguém insiste que "é só texto", talvez o problema não esteja na interpretação de quem percebe camadas — mas na recusa de admitir que toda comunicação é contextual.
Isso não é militância, é semiótica básica.
*especialista em marketing, é colunista e apresentador de podcasts