'Ou se combate o racismo institucional, ou o reproduz. E Ribeirão o reproduz'
Advogada, mulher negra e ativista Débora Oliver afirma que faltam pessoas capacitadas na gestão Ricardo Silva
, atualizado
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Advogada, militante negra e ativista política de Ribeirão Preto, Débora Oliver é reconhecida por sua atuação incisiva contra o racismo institucional e por sua postura crítica em relação à gestão do prefeito Ricardo Silva (PSD). Ela utiliza suas plataformas para mobilizar a comunidade e pressionar por mudanças, tornando-se uma voz ativa na luta por direitos e justiça social.
Incisiva, afirma que a gestão atual é formada por quadro pouco qualificados e que peca pela trnsparência. "É uma gestão voltada a agradar a si mesma e aos seus aliados — não à população".
Em 2024, se destacou ao integrar um coletivo de mulheres que concorreu à Câmara Municipal pelo MDB, reforçando sua presença no cenário político local.
Também mantem relacionamento com Carlos Biasoli, assessor de longa data do MDB e aliado político do deputado federal Baleia Rossi.
Mulher negra e militante, representa uma liderança emergente que combina experiência jurídica, ativismo social e coragem política, desafiando estruturas de poder e promovendo a inclusão e a equidade em Ribeirão Preto. Concedeu entrevista exclusiva ao JR. Confira.
JORNAL RIBEIRÃO: A senhora vem se posicionando de forma bastante incisiva nas redes sociais quanto ao racismo institucional. O que motivou a denúncia?
DÉBORA OLIVER: Posso citar um exemplo. Há seis meses, uma criança preta retinta, de apenas três anos, vem sendo vítima de racismo em uma escola municipal. O caso é de conhecimento da direção, dos professores, do secretário municipal da Educação e do prefeito Ricardo Silva — todos coniventes. Desde o início, o tratamento dado à menina foi completamente distinto daquele recebido pela irmã, que é parda, e pelos demais alunos aceitos pela branquitude. A criança foi perseguida, teve materiais extraviados, roupas danificadas e foi constantemente excluída das atividades. É um retrato cruel do descaso, da humilhação e da violência que essa menina tem sofrido dentro da escola.
Como a escola e o poder público reagiram às denúncias dos pais?
Em vez de acolher, a direção chamou a Polícia Militar para intimidar os pais, tentando incriminar a família e responsabilizar a própria criança — a vítima. Em nova reunião, representantes da OAB, do Conselho Tutelar, da Secretaria da Justiça e da Comdepir estiveram presentes, mas o secretário municipal da Educação sequer compareceu.
O que aconteceu depois dessas reuniões?
Mesmo após toda a exposição do caso, a violência continuou. A criança chegou a ter parte dos cabelos arrancados dentro da escola. Agora, houve um motim na porta da escola. A Secretaria perdeu a autonomia sobre a unidade escolar.
A administração tem responsabilidade nesse cenário?
Sim. Desde o início do governo Ricardo Silva, foram nomeados 30 cargos de liderança, e apenas um é ocupado por uma pessoa negra. Com a reforma administrativa, esse número subiu para 33, mas ainda com apenas um negro. Somando lideranças e subsecretarias, são mais de 60 cargos, e apenas quatro são ocupados por negros. No gabinete do prefeito, de 59 cargos, só há uma mulher preta. Esses números falam por si.
O que essa distribuição revela sobre o comportamento institucional da Prefeitura?
Como disse a professora Bárbara Carini, "a Prefeitura também não é neutra — ou combate o racismo institucional, ou o reproduz". Hoje, Ribeirão Preto o reproduz.
O texto da carta aberta divulgada pela senhora também critica o comportamento das lideranças políticas locais. Qual é a mensagem final?
As omissões de homens brancos, mergulhados em relações de favorecimento e privilégio, mostram que Ribeirão Preto ainda exclui, silencia e adoece sua população preta. Em dezembro, esses mesmos homens, sustentados pela branquitude, farão campanhas de doação de cestas básicas, usando a dor e a pobreza da população negra como vitrine de generosidade. O prefeito disse recentemente que "as crianças não podem passar calor nas escolas". E o racismo — pode?
A senhora fez um levantamento sobre a falta de representatividade negra na administração municipal. A Secretaria da Educação reproduz o racismo institucional ou há sinais de mudança?
Eu acredito que o negro não consegue ser racista, mas pode reproduzir o racismo aprendido nas instituições. Quando um negro alcança determinado status e passa a achar que já não é mais visto como negro, ele pode ferir os seus de forma ainda mais dura, justamente por saber o que é ser ferido. Na Secretaria da Educação, o secretário, que é negro, precisa de um maior letramento racial. Em uma reunião, apresentei dados mostrando que a evasão escolar é muito maior entre alunos negros. Se temos um secretário negro e, ainda assim, esse número é tão alto, é porque algo está errado e precisa ser revisto na gestão. Ser negro é viver um dia de cada vez; tornar-se negro é ter consciência da própria importância e da responsabilidade com o seu povo.
A senhora conhece bem a máquina pública e tem atuado politicamente há alguns anos. Tem medo de sofrer represálias por suas denúncias e posicionamentos?
Não tenho medo. Eu me tornei a voz de pessoas invisibilizadas. Quem assume essa posição sabe que virão tentativas de silenciamento. Mas a minha força vem da lei e da fé. Só a lei pode me impedir de agir e, acima dela, apenas a vontade de Deus. Como eu conheço sa leis, sou díficil de ser parada. Fora isso, ninguém me paralisa.
Durante a campanha, houve denúncias de preconceito dentro do próprio partido, o MDB, inclusive com relação à candidatura coletiva de mulheres da qual a senhora fez parte. O que aconteceu?
Sofremos muitas dificuldades, tanto por sermos mulheres quanto por questões internas do partido. Algumas lideranças criavam obstáculos que prejudicavam o trabalho de integrantes da nossa chapa, como a Denise, funcionária pública que não podia atuar com o público feminino como sempre fez. Enquanto isso, outros candidatos recebiam autorização para tudo. Apesar dos entraves, fizemos uma campanha limpa e bonita, com muito esforço coletivo. Tivemos o apoio do presidente Baleia Rossi, mas faltou comprometimento de outras pessoas dentro do partido.
A senhora trabalhou na gestão Duarte Nogueira, a Assistência Social, e hoje acompanha de perto a de Ricardo Silva. Como compara as duas administrações?
A gestão Nogueira tinha problemas, mas contava com pessoas mais qualificadas. Já a de Ricardo é marcada por apadrinhamento político. Ouvi de secretários que não conseguem trabalhar diante de tantas indicações sem preparo. Falta mão de obra técnica, e isso trava os serviços públicos. Ricardo é um prefeito iletrado, cercado por gente sem conhecimento, o que tem levado a uma administração ineficiente. Sinceramente, não acredito que esses quatro anos tragam políticas públicas eficazes.
Nas redes sociais e entre os servidores, circulam boatos de favorecimento sexual dentro da administração, envolvendo o prefeito, o vice e membros do alto escalão. Como avalia?
Não confirmo nenhuma informação, mas se isso realmente estiver acontecendo, é gravíssimo. Demonstra que a gestão perdeu o foco e a moral. Essas trocas de favores, tanto de homens quanto de mulheres, mancham a imagem de todos. É triste ver mulheres se prestando a isso, porque reforça estereótipos e destrói o pouco espaço que conquistamos. É triste ver mulheres se prestaando isso.
Em resumo, qual das duas gestões você considera mais transparente e democrática?
A de Ricardo, certamente, não é. É uma gestão voltada a agradar a si mesma e aos seus aliados — não à população.