Tentativa de negociação e defesa da soberania marcam 1 mês de tarifaço - Foto: Agência Brasil
Tentativa de negociação e defesa da soberania marcam 1 mês de tarifaço - Foto: Agência Brasil
O tarifaço imposto pelos Estados Unidos a exportações brasileiras completa um mês neste sábado (6). Tentativas de negociação, defesa da soberania nacional e medidas de apoio a empresas brasileiras deram o tom do cenário econômico e diplomático nesse período de 30 dias.
A Agência Brasil conversou com especialistas sobre efeitos das medidas americanas de barreira ao comércio exterior e relembra pontos-chave desse período:
Esse comunicado inicial previa o início do tarifaço em 1º de agosto e usava como justificativa o déficit comercial dos EUA e o tratamento dado pelo Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro, quem Trump considerava ser perseguido. Bolsonaro é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, em julgamento que entrou na reta final esta semana.
Diferentemente do que alegava Trump, os Estados Unidos têm superávit na relação comercial. Em carta de resposta, o Brasil cita que acumula com os Estados Unidos déficit comercial de quase US$ 410 bilhões nos últimos 15 anos. Isto é: importou mais do que exportou nesse período.
Cartas de Trump e do governo brasileiro foram divulgadas em julho Reuter/Yuri Gripas e Marcelo Camargo/Agência Brasil
O governo de Trump assinou uma ordem executiva que estipulou o tarifaço a partir de 6 de agosto, mas deixou cerca de 700 produtos em uma lista de exceções. Entre eles estão suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis, incluindo motores, peças e componentes. Também ficaram de fora produtos como polpa de madeira, celulose, metais preciosos, energia e produtos energéticos.
Entre os principais beneficiados pelas exceções está a Embraer, uma das maiores fabricantes de avião do mundo, com grande parte da produção destinada aos Estados Unidos.
Jato E175 da Embraer já foi adquirido pela American Airlines. Ricardo Beccari/Embraer
Como ficaram as tarifas
Os cerca de 700 produtos da lista de exceção representam 44,6% das exportações brasileiras para os Estados Unidos e continuaram a pagar uma tarifa de até 10%, que já tinha sido definida em abril pelos EUA.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o tarifaço cheio incide em 35,9% das exportações brasileiras para os Estados Unidos. O tarifaço cheio é a cobrança de 10% definida em abril somada a outra de 40%, assim totalizando 50%.
Há ainda 19,5% das vendas sujeitas a tarifas específicas, adotadas pelo governo Trump com base em argumentos de segurança nacional. Entre esses produtos, estão as autopeças e automóveis de todos os países, que pagam 25% para entrar nos Estados Unidos desde maio.
Aço, alumínio e cobre pagam alíquota de 50%, mas, segundo levantamento do Mdic, estão dentro dos 19,5%, porque as tarifas foram definidas com base nos argumentos de segurança nacional em fevereiro, com entrada em vigor em março.
Eduardo mora nos EUA desde março e, segundo a PF, participou da articulação que culminou no tarifaço.
Deputado federal Eduardo Bolsonaro e o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro foram indiciados por suspeita de coagir Justiça por meio de sanções estrangeiras- Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados e Lula Marques/Agência Brasil
Postura institucional
Apesar de não ter havido mais avanços em termos de isenção de produtos, o professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, José Niemeyer, defende que o processo de negociação tem que continuar.
Ele destacou a atuação do governo brasileiro, por meio de ministérios, diplomatas e da embaixadora em Washington, Maria Luiza Viotti, na obtenção da lista de isenções.
Conseguiram chegar a bom termo e alguns dos produtos tiveram as suas tarifas diminuídas, avalia.
Ele classificou o tipo de negociação exercida pelo Brasil como institucional.
O Brasil não partiu para nenhum tipo de confronto, disse à Agência Brasil. Niemeyer destacou que o vice-presidente Alckmin conseguiu chegar próximo das estruturas do Estado norte-americano e da Casa Branca para poder começar uma negociação.
Defesa da soberania
Além da negociação com os Estados Unidos, o governo brasileiro tem passado uma mensagem de defesa da soberania nacional. O presidente Lula rebateu acusações de Trump de que o Brasil é um mau parceiro comercial.
Em reunião ministerial no dia 26, Lula orientou integrantes do governo a defenderem a soberania do país. Ele manifestou ainda que o Brasil não aceitará desaforo, ofensas nem petulância de ninguém.
Segundo o presidente, as decisões de Donald Trump são descabidas, mas o governo brasileiro segue à disposição para negociar as questões comerciais.
Na avaliação do Ministério das Relações Exteriores, os EUA violaram flagrantemente compromissos assumidos com a própria OMC.
A OMC é uma instituição multilateral que tem como função regular o comércio internacional, negociar regras, gerir acordos comerciais e resolver disputas. Brasil e Estados Unidos são dois dos 166 países-membros da OMC, que abarca 98% do comércio mundial.
A nova legislação permite o Brasil aplicar contramedidas tarifárias. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) órgão colegiado de 10 ministérios, responsável por formular, implementar e coordenar as políticas de comércio exterior foi provocada, dando início a um processo que tem, entre suas etapas, a de notificar os Estados Unidos sobre a resposta brasileira ao tarifaço.
A taxação de vendas brasileiras pelos EUA faz os nossos produtos custarem mais aos compradores americanos. Como consequência, o Brasil perde competitividade. Dentro das fronteiras brasileiras, isso se reflete em preocupação de diversos setores, principalmente os que dependem mais de exportações para os EUA.
O estado do Ceará chegou a decretar situação de emergência. O estado é o com maior predominância dos Estados Unidos como destino de exportações, acima dos 44%, vendendo produtos de siderurgia, frutas, pescados, pás eólicas e outros itens.
Mais de 90% da pauta exportadora do Ceará para os Estados Unidos foi afetada pelo acréscimo de 50% em taxas.
Entre as medidas do governo cearense para mitigar os efeitos negativos está a compra, por parte do estado, da produção de alimentos de empresas que foram forçadas a deixar de exportar.
Frutas estão entre produtos mais afetados Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Em Petrolina, cidade pernambucana que fica no Vale do São Francisco região com volume grande de exportação de frutas tropicais, especialmente manga e uva a preocupação é o destino das frutas que seguiam anteriormente para os EUA.
De acordo com o prefeito Simão Durando, há uma janela limite entre agosto e outubro para exportar 2,5 mil contêineres de manga e 700 contêineres de uva para os Estados Unidos.
Já em Franca, no interior de São Paulo, a preocupação é com a indústria de calçados, que emprega entre 12 mil e 14 mil pessoas diretamente. Algumas empresas chegam a vender 100% da produção para os EUA.
Além dos empréstimos, o Plano Brasil Soberano prevê a prorrogação da suspensão de tributos para empresas exportadoras; aumento do percentual de restituição de tributos federais; e facilita compra de gêneros alimentícios por órgãos públicos.
O presidente do BNDES, Aluízio Mercadante, recebe o prefeito do Rio, Eduardo Paes, presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FPN) Fernando Frazão/Agência Brasil
Chamou a atenção que produtos não afetados pelo tarifaço, como minério de ferro e aviões, tiveram quedas, 100% e 84,9%, respectivamente.
Para técnicos da pasta, a explicação pode estar na antecipação de exportações em julho, ou seja, empresários utilizaram o período de incerteza para enviar produtos para os Estados Unidos.
Levando em conta todos os países, as exportações brasileiras cresceram 3,9%, e a balança comercial ficou com saldo positivo de US$ 6,1 bilhões em agosto. Exportações para outros parceiros comerciais, como China e Argentina, aumentaram nesse período.
Análises
Ouvida pela Agência Brasil, a economista Lia Valls Pereira, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), aponta que os dados sobre exportação para os Estados Unidos revelam que essa queda já é reflexo do tarifaço.
Ela concorda com a tese de que exportadores anteciparam os embarques em julho, para escapar do tarifaço, causando uma queda em agosto. Para Lia Valls, as tarifas americanas atingem setores de formas diferentes.
Alguns têm mais chances de conseguir diversificação de mercado; para outros, certamente vai ser bem mais difícil. Há produtos em que o mercado americano explica mais de 50% das exportações, como o caso do sebo bovino, cita.
A economista acredita que é importante governos e empresários continuarem negociando e ressalta a necessidade de buscar novos mercados e outros acordos comerciais, como a União Europeia.
Inflação
O economista Matheus Dias, do Ibre/FGV, acompanha o comportamento de preços no país. Na observação dele, o tarifaço não teve um impacto significativo na nossa inflação.
A explicação, segundo ele, é a lista de quase 700 produtos que ficaram de fora da tarifa máxima de 50%.
Caso esses 700 produtos não tivessem sido isentados dessa medida tarifária, possivelmente a gente estaria vendo uma realocação mais forte dos fluxos comerciais, o que teria como consequência, direcionar para o mercado interno.
Esse direcionamento causaria um excesso de oferta de produtos no Brasil, o que contribuiria para deixar preços mais baratos, baixando a inflação. Mas não foi o que ocorreu por conta dessas isenções, afirma.
Em outros casos, diz à Agência Brasil, há limitação bastante setorial, como cimento, madeira e metais. Esses setores acabaram sendo bastante afetados, mas a gente não consegue enxergar um efeito na inflação ao consumidor.