A invasão vertical dos bárbaros: uma tragédia em atos

Este tema dilacera a alma; há um quarto de século o persigo nas vísceras da História e de nossa decadência. Ao proferir "bárbaros", surge o coro dos hipócritas da correção política, os moralistas de butique, a gritar em cima dos caixotes: "preconceito étnico, mentalidade de aldeia!". Ah, a decência postiça! Pobre gente! Não compreendem o abismo sob a superfície polida desse falso moralismo.

, atualizado

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Resolvo lançar luz sobre essa abjeção. No princípio, a barbárie era atribuída por gregos a quem não falava sua língua, por romanos a povos que não se curvavam à sua cartilha de civilidade. Ironia: os arautos da civilidade eram bestas-feras. Homero narra Aquiles arrastando o cadáver de Heitor em fúria desmedida. Nero regozijava-se no sangue de cristãos perseguidos, num festim de crueldade que envergonharia o mais vil.

O que se revela, então, com um soco no estômago, é que a barbárie não é de origem étnica, como alardeiam os fariseus de plantão; não, ela é, como dizem os filósofos: Ontológica! Essa praga universal, que não escolhe raça nem classe, habita a alma do homem como cancro incurável, arrastando-o para o lamaçal da bestialidade, para o abismo da perdição, onde a Ignorância campeia, impedindo a visão da beleza além da própria sombra do eu, como diria Platão, prisioneiro na caverna. Uma luta que se trava no confessionário da alma, longe dos holofotes.

Hoje, a barbárie, não mais fronteiriça, é definitivamente vertical, adentrando as fendas das ideias. Desde Descartes, com seu "eu atomístico" como fundamento do mundo e de todas as coisas. Depois, Kant, esse gênio frio, reduziu o objeto a um fantasma inatingível, enquanto Hegel, em seu delírio histórico, afogou Deus na História, sacralizando o Estado. Desses pretensos faróis, assistimos a um desfile de aberrações da razão moderna, que não fizeram senão pavimentar o caos. E desse abismo, brotou a pretensão mais descarada: a de transferir a excelência para o domínio exclusivo do eu, da mente e do Estado, manobra que, no fundo, subverteu o elevado e negou sua verdadeira, e fatal, dimensão.

Essa derrocada é a matriz de um mal político virulento. Nietzsche já antevia guerras mundiais dos frutos envenenados da própria derrocada da razão moderna: Hegel! O "homem massa", amorfo e homogeneizado, esvaziado de sua singularidade, tornou-se o terreno fértil para a tirania, o "animal de rebanho" conveniente para novos senhores. Sua Impotência criadora é a marca dessa nova escravidão. A democracia, "formosa dama" da liberdade, pariu monstros: tiranos como Stalin e Hitler, nascidos das ideias modernas.

O totalitarismo, seja ele socialista ou nazista, não é antítese, mas continuação ilimitada da democracia iluminista. A barbárie das ideias conduziu o homem à figura do "homem massa", do subjetivismo coletivo. Vimos a "razão" torpe justificar o injustificável; teoria abstrata virar bala e sangue. O atentado a Charles Kirk foi mais um ato onde a convicção ideológica exige sacrifícios. Ali se manifesta a mais pura Regressão, a vontade de destruição. O indivíduo abstrato, diluído na multidão, numa "realidade" social que dissolveu todo ser.

Mas hoje, o subjetivismo coletivo deu vazão a ideologias que fixaram o homem ao corpo físico, aos instintos mais baixos. Comunismo e nazismo, com seus "homens novos" e "super-homens", são faces da mesma moeda, figuras modernas da petrificação.

Ambas as doutrinas, sem a menor piedade, excluem da humanidade quem não se curva às suas definições, espremendo o homem na camisa de força da raça ou da classe. Assim, qualquer rastro de objetividade é impiedosamente diluído, esmagado sob a tirania de uma pura abstração coletiva.

É aqui que Dostoiévski, em seu profético Os Demônios, nos revela, a face mais perversa da barbárie: não a do assassino que suja as mãos, mas a do intelecto que, pérfido, semeia a destruição. O verdadeiro criminoso, afinal, é aquele que planta a ideia maligna na cabeça do ingênuo que, sem refletir, aperta o gatilho. O professor, em sua altivez iluminista - ah, a cegueira dos que se julgam faróis! - espalha sementes venenosas, inoculando em seus discípulos, e até no próprio filho, a certeza de uma nova ordem que, na prática, mata o outro!

* Cientista político, é professor