Bolsonaro, Moraes e a ditadura da toga

O Supremo, mais do que qualquer outro poder, deve observar os limites constitucionais. Não se combate golpismo com autoritarismo judicial. Ao contrário: esse caminho abre o precedente mais perigoso de todos, o de que a defesa da democracia justifica a violação das regras democráticas.

, atualizado

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Os atos criminosos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, expuseram ao mundo a vulnerabilidade da democracia brasileira. O governo federal agiu corretamente ao decretar intervenção no Distrito Federal. Cabia à União chamar para si a responsabilidade e evitar a escalada do caos.

O que se seguiu, no entanto, foi um conjunto de decisões judiciais que afrontam a Constituição e põem em risco a própria democracia que deveriam proteger, culminando na recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes, à frente das medidas, transformou a crise em oportunidade para ampliar poderes de maneira inédita, muitas vezes em clara violação do devido processo legal.Exemplo marcante foi o afastamento monocrático do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Moraes, sem ação penal em curso, sem pedido do Ministério Público ou da polícia, afastou um chefe do Executivo eleito pelo voto popular. Com isso, feriu princípios elementares, como a soberania popular, o sistema acusatório e o devido processo legal.

Esse padrão se repetiu em outras ocasiões: instauração de inquéritos de ofício, quebras de sigilo sem provocação, prisões decretadas genericamente contra milhares de pessoas, tudo em flagrante desrespeito ao papel de guardião da Constituição que cabe ao Supremo Tribunal Federal. As medidas respondem de maneira ríspida a uma ameaça real, mas corroem, por dentro, os fundamentos do Estado Democrático de Direito, sendo o ápice desse processo foi a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Independentemente da avaliação política que se faça do ex-mandatário, é inegável que o cerco jurídico que o atinge é consequência direta dessa lógica: punição exemplar construída à margem da Constituição.

Não se trata aqui de defender Bolsonaro, mas de constatar que, quando o devido processo é substituído por decisões de exceção, ninguém está a salvo — nem adversários, nem apoiadores, nem cidadãos comuns.

Se aceitarmos que um ministro do Supremo possa afastar governadores, prender milhares de pessoas sem denúncia individualizada ou reinterpretar leis penais para atender a clamores do momento, estaremos diante de um Estado de Exceção togado. Uma ditadura velada, sustentada não por tanques, mas por canetas.

O Brasil precisa discutir seriamente os limites de atuação do Judiciário. A democracia só se preserva com respeito às regras do jogo — mesmo nos momentos mais difíceis. Caso contrário, os atos de 8 de janeiro não terão sido uma tentativa de golpe, mas a desculpa perfeita para a consolidação de um poder ilimitado do Judiciário. É o momento de lembrar, com preocupação, que algumas das mais tenebrosas ditaduras eram legalistas.

*jornalista e advogado, é especialista em direito administrativo e constitucional