O caso Bigodini e as felpudas raposas da ética na Câmara

, atualizado

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A Comissão de Ética da Câmara de Ribeirão Preto decidiu, mais uma vez, mostrar que o "padrão moral" da Casa é, no máximo, um pano de chão velho. A recomendação de apenas 180 dias de suspensão ao vereador Bigodini (MDB) — acusado de quebra de decoro parlamentar após ser denunciado pela Polícia Civil por dirigir embriagado, mentir à polícia e fraudar o próprio processo — é uma afronta à inteligência do cidadão e uma confissão pública de covardia institucional.

Pelo período, o parlmentar ficaria suspenso de suas atividades, sem receber seu subsídio, mas poderia voltar ao posto encerrada a punição, mantendo o posto e os direitos políticos sem qualquer outra punição.

Um parlamentar flagrado cometendo crimes, ludibriando autoridades e zombando da lei não pode ser tratado com luvas de pelica. A pena sugerida soa como prêmio de consolação, uma espécie de "vai pra casa pensar no que fez", quando o mínimo esperado seria a cassação - sem falar na responsabilização criminal, que está sendo apurada pelas autoridades competentes. Mas a Câmara de Ribeirão Preto não surpreende: a cultura de passar pano é regra, não exceção.

Na legislatura passada, o Legislativo - basicamente com o mesmo comando, e com cerca de 70% dos mesmos componentes - não foi capaz de punir sequer um vereador condenado por rachadinha — Sérgio Zerbinato —, que terminou o mandato sem sofrer qualquer sanção política. E agora, nesta legislatura, a encenação se repete com novos protagonistas.

Um dos votos a favor da suspensão de 180 dias no Conselho de Ética foi de Brando Veiga (Republicanos), ele mesmo denunciado por uso irregular de verbas eleitorais e por empregar assessoras da Câmara em sua campanha de 2024. Outro que assinou o relatório "brandinho" foi Franco Ferro (PP), investigado por usar carro oficial para fins particulares — caso que já é alvo de inquérito do Ministério Público.

Ou seja: quem julga a ética é quem também a viola. É a raposa presidindo a reunião do galinheiro, tentando salvar os tenros ovos da ação dos malfeitores. Um escárnio. A Comissão, que deveria zelar pela imagem do Legislativo, virou balcão de arranjos, onde a moral é negociada conforme as conveniências do grupo.

E não adianta o Executivo posar de virtuoso. A Prefeitura de Ribeirão Preto também tem seu próprio estoque de panos sujos. A prática da advocacia administrativa, onde servidores e advogados influentes usam cargos para defender interesses privados, virou rotina. Casos se acumulam, investigações avançam a passo de tartaruga e a conivência continua a reinar.

Isso para não citar outras dezenas de mazelas, sejam elas iniciadas na atual gestão ou resultdo de herança de gestões anteriores.

Oxalá que os demais vereadores, ao votarem o dito relatório, tenham um momento de lucidez e recusem essa imensa "passada de pano" que se avizinha. Ainda há esperança mas, de acordo com o histórico de complacência dos parlamantares, ela é cada vez menor.

O que une Câmara e Prefeitura é a mesma lógica perversa: proteger os de dentro, custe o que custar. A ética virou fachada, e a impunidade, política de Estado. Em vez de dar exemplo, os poderes municipais normalizam o desvio — e, com isso, alimentam o descrédito que corrói as instituições.

Ribeirão Preto merece mais do que panos quentes sobre sujeiras antigas. Merece uma faxina. Mas, pelo andar da carruagem, ainda vai faltar coragem — e sobrar pano.