A permuta da discórdia e a falta de transparência

, atualizado

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A Prefeitura de Ribeirão Preto anunciou, nos últimos dias, a intenção de transferir a sede administrativa para o prédio do Colégio Marista, na região central da cidade, em uma operação que prevê a permuta do imóvel por um terreno público na região da Avenida Braz Olaia Acosta. Trata-se de uma alternativa à construção do Centro Administrativo projetado pela administração Duarte Nogueira, que seria construído na zona Nordeste da cidade.

O projeto, encaminhado à Câmara, aponta valores que suscitam dúvidas: o Marista é avaliado em R$ 57,2 milhões, enquanto o terreno municipal aparece estimado em R$ 39,6 milhões — um ganho patrimonial na casa de R$ 17,5 milhões para os cofres públicos sem desembolso direto, pelo menos na conta oficial.

Na prática, entretanto, a teoria é outra. Há quem diga, no meio imobiliário, que a área cedida pelo município, no metro quadrado mais caro da cidade, pode faacilmente ultrapassar os R$ 120 milhões, se não houver amarras para empreendimentos imobiliários.

Além do valor, chama a atenção a rapidez com que o assunto ganhou trâmite e a carência de documentos públicos acessíveis que expliquem a metodologia de avaliação, os laudos técnicos e os critérios que justificam a troca. Em uma democracia madura, negócios que envolvem patrimônio público exigem transparência absoluta: pareceres de avaliação, estudos de impacto urbanístico e ambiental, memórias de cálculo e eventuais laudos de viabilidade financeira devem estar disponíveis para a população e para os vereadores.

O debate público se aprofunda quando se compara o preço do terreno com cotações de mercado e anúncios imobiliários da própria Avenida Braz Olaia Acosta, onde lotes com metragens semelhantes têm preços que variam significativamente — indício de que a avaliação oficial precisa ser detalhada e justificada.

A cidade tem o direito de saber por que um ativo foi precificado em R$ 39,6 milhões e qual foi o critério para se considerar o imóvel do Marista equivalente ao montante de R$ 57,2 milhões.

Mas a falta de transparência na gestão municipal vai muito além dessa operação imobiliária. O Jornal Ribeirão revelou recentemente uma denúncia gravíssima: advogados empregados em cargos comissionados e de alta chefia na administração municipal seguem atuando em causas particulares — inclusive contra a própria Prefeitura. Trata-se de um evidente conflito de interesse que fere a ética pública, compromete a lisura administrativa e expõe o município a riscos jurídicos e morais. É inadmissível que servidores nomeados para defender o interesse público utilizem seus cargos para litigar em benefício próprio ou de terceiros.

Diante disso, é urgente que o Ministério Público, o Tribunal de Contas e as controladorias internas atuem com firmeza. O caso exige apuração imediata e punição exemplar. Nenhuma gestão pode ser levada a sério quando quem deveria zelar pelo patrimônio público o transforma em palco de interesses privados.

Falta também clareza sobre cronogramas, custos previstos para adaptação do prédio à nova função pública e eventuais ônus que poderiam recair sobre o erário no futuro. Circulam nas redes relatos e interpretações diversas, e quantias apresentadas nas peças oficiais não afastam o sentimento de que decisões relevantes estão sendo tomadas em ambiente opaco — o que corrói a confiança e abre espaço para suspeitas e contestações jurídicas.

O caminho mínimo para recompor a confiança é simples: a Prefeitura deve publicar, imediatamente, os laudos de avaliação dos imóveis envolvidos, os critérios adotados para a permuta, estudos de viabilidade e o impacto orçamentário detalhado. Deve também promover audiências públicas e permitir que órgãos de controle — Ministério Público, Tribunal de Contas e controladorias internas — acessem toda a documentação em tempo real. Transparência não é favor: é obrigação.

Enquanto as respostas não chegam, resta à sociedade civil, à oposição e à imprensa manter a vigilância. Reformas administrativas e mudanças de sede podem ser legítimas, mas só serão legítimas de fato se vierem acompanhadas de explicações técnicas e jurídicas que o cidadão possa conferir. Sem isso, o que se anuncia como modernização corretiva tende a se transformar em vitrine sem contas — bonita por fora, obscura por dentro.