'Cegueira branca' e descaso institucional viram regra

, atualizado

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Dois casos revelados pelo Jornal Ribeirão nesta edição expõem o que há de mais preocupante na estrutura de poder em Ribeirão Preto: a desigualdade racial entranhada nos meandros do poder e o descaso institucional com a ética pública. E o agente agressor é o mesmo: a administração municipal de Ribeirão Preto.

O primeiro dado é estarrecedor: entre 63 ocupantes de cargos de primeiro escalão na Prefeitura — incluindo secretários, secretários-adjuntos, diretores de empresas municipais, presidentes de fundações e autarquias — apenas três são pessoas pretas ou pardas. Um total de 4,7% dos indicados pelo prefeito Ricardo Silva (PSD).

Em uma cidade em que quase 36% da população se autodeclara preta ou parda, segundo dados do IBGE de 2022, os últimos disponíveis, o número escancara o abismo racial que persiste dentro do poder público.

Apenas como comparação, aplicando-se os números oficiais do IBGE sobre etnia, tem-se que a representação de pretos e pardos deveria ser de 22 integrantes do primeiro escalão — mais de sete vezes maior, portanto.

É a reprodução silenciosa do racismo estrutural, agora estampado em organogramas e portarias oficiais.

Se o atual governo parece ter dado um salto na representatividade feminina na administração — ao menos nota-se maior presença de mulheres na atual gestão — o mesmo não vale para os pretos e pardos, que seguem sub-representados.

Por óbvio, existem questões estruturais, inclusive de acesso à educação, que afetam especialmente as populações negras e pobres, mas a administração precisa olhar para essa realidade com espírito propositivo, de resolução do problema, e não com a passividade bovina que só atende aos que, silenciosamente, defendem a continuidade da situação observada.

O segundo caso, igualmente grave, diz respeito à nomeação de uma diretora do Meio Ambiente que, ao mesmo tempo, atuava como advogada em ações ambientais privadas. Um claro conflito de interesse — e uma afronta direta aos princípios da moralidade e da impessoalidade que regem a administração pública.

A denúncia, entretanto, não é nova. Ainda na gestão Duarte Nogueira, cinco secretários que advogavam foram obrigados a entregar suas carteiras à OAB depois de passarem por procedimento na comissão de ética. A ex-secretária Marine Oliveira, o caso mais absurdo, foi demitida depois de denúncia do jornalista Eduardo Schiavoni, que mostrou que, além de advogar, ela fazia propaganda do escritório que atuava em ações com trâmite na própria administração.

Ou seja, o problema registrado em outra gestão, ignorado à época, agora se repete com o mesmo descuido.

Mais grave, contudo, é a postura da própria Prefeitura. Em um primeiro momento, em nota emitida há pouco mais de três meses sobre a situação de advogados que ocupam cargos comissionados, a administração municipal tentou lavar as mãos, afirmando que "não tinha responsabilidade" sobre o caso.

Agora, pressionada pela repercussão e pela contundência dos fatos, anunciou a abertura de uma sindicância "diante da gravidade da situação". Gravidade que, diga-se, só foi reconhecida porque o Jornal Ribeirão escancarou o problema.

Ribeirão Preto não pode se orgulhar de ser moderna, inovadora e plural enquanto mantém um poder público branco e conivente com conflitos éticos tão evidentes. A transparência não é uma concessão — é dever. E o jornalismo, mais uma vez, cumpre o papel que o poder teima em esquecer: o de iluminar o que o sistema prefere manter na sombra.