Compartilhar notícia
O acidente de trânsito que envolveu o vereador Roger "Bigodini" Ronan Silva (MDB), em Ribeirão Preto, não é apenas mais um episódio polêmico na vida política local. Ele escancara a difícil convivência entre a necessidade de responsabilidade de quem ocupa um cargo público e a fragilidade humana de alguém que, ao que tudo indica, precisa de ajuda.
Na madrugada de 28 de setembro, o carro em que o parlamentar estava colidiu contra uma árvore e postes na Avenida do Café, na Vila Tibério. Em seu primeiro relato às autoridades, Bigodini afirmou que a namorada dirigia o veículo. O detalhe, contudo, tornou-se escandaloso: a companheira não possui habilitação. Mais tarde, vídeos que circularam nas redes sociais mostraram o vereador no banco do motorista logo após o impacto, enfraquecendo a versão inicial.
A situação agravou-se com a recusa do casal em realizar o teste do bafômetro. Segundo relatos da ocorrência, havia sinais claros de embriaguez. Além disso, há suspeitas de tentativa de manipulação do registro dos fatos, hipótese que pode configurar fraude processual ou até falsa autoacusação. Esse conjunto de circunstâncias levou a Câmara de Ribeirão Preto a cogitar a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar, tarefa que caberá à Comissão de Ética.
No dia seguinte, Bigodini faltou à sessão ordinária e apresentou atestado médico de quatro dias. Há informações de que pretende se afastar por tempo indeterminado do exercício do mandato, medida que, se confirmada, poderá abrir espaço para suplência ou pelo menos para um debate mais franco sobre sua condição.
O episódio, no entanto, não pode ser reduzido a mera disputa política ou a um caso de "fofoca parlamentar". Há indícios sérios de que o vereador enfrenta problemas relacionados ao uso de substâncias. Isso exige que o olhar da sociedade não seja apenas punitivo. A dependência química não é falha de caráter, mas doença. E como tal deve ser tratada, com acolhimento e tratamento adequado.
A sociedade, entretanto, não pode se contentar com a narrativa de que se trata apenas de um drama pessoal. O mandato parlamentar não pertence ao eleito, mas ao povo que o conferiu. A Câmara deve agir com rigor, averiguar responsabilidades e assegurar que a função pública não seja esvaziada pela omissão.
O caso Bigodini lança luz sobre um problema maior: a ausência de mecanismos institucionais mais claros para lidar com situações em que representantes eleitos demonstram não ter condições de exercer plenamente o mandato. Hoje, a tendência é que cada episódio seja tratado de forma improvisada, oscilando entre o linchamento público e a condescendência, sem equilíbrio.
Não se pode olvidar, ainda, que postura de jogar Bigodini aos leões, notada na Câmara, é diferente da usualmente adotada pelo Legislativo. E não se pode deixar de pontar que o próprio Bigodini, protagonista desse caso, já foi alvo de uma série de passadas de pano do Legislativo. Lembremos: ele integra a base.
É hora de amadurecer. O poder público precisa assumir que saúde mental, alcoolismo e dependência química são questões sociais graves que atravessam todas as classes. Ao mesmo tempo, deve-se reafirmar que a vida pública exige padrões mais elevados de conduta. Não se pode permitir que um vereador conduza, possivelmente embriagado, um veículo, coloque vidas em risco e, no dia seguinte, apenas se esconda atrás de atestados médicos.
Bigodini precisa se tratar — essa é a dimensão humana. Mas a cidade precisa de respostas — essa é a dimensão política. Entre empatia e rigor, há um caminho possível: garantir ao parlamentar o direito de se afastar, buscar ajuda e reconstruir-se, ao mesmo tempo em que a Câmara dá exemplo de transparência, rigor ético e respeito ao eleitorado.
Mais do que um caso individual, o episódio serve de alerta coletivo: não se constrói democracia sólida com silêncio, improviso e conivência. A sociedade exige clareza, verdade e responsabilidade. O mandato não é escudo contra as consequências dos atos, e o sofrimento pessoal não pode ser usado como cortina para escapar da prestação de contas.
Em resumo: Bigodini deve ser acolhido como cidadão, mas julgado como vereador. Esse é o equilíbrio que a democracia exige.