Boas notícias na saúde, mas é preciso cuidado

, atualizado

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A implantação do sistema de teleconsultas pela administração de Ricardo Silva (PSD) — materializada no aplicativo municipal Cuidar On e anunciada em 30 de julho pela admnistração municipal— merece ser reconhecida como uma iniciativa ousada. É, talvez, o projeto mais promissor do governo até aqui: combina tecnologia, agilidade e a promessa de desafogar unidades superlotadas, oferecendo atendimento remoto 24 horas com médicos, enfermeiros e psicólogos, além de permitir emissão de receitas e atestados.

O projeto é benefício tanto para os profissionais da saúde, que passam dedicar a atenção presencial para casos de maior gravidade, evitando complicações, quanto para a população que, em casos mais simples, consegue seu tendimento - e seu atestado ou receita - sem ter que enfrentar horas de espera nasa UPAs da cidade.

Da mesma forma, a modernização do agendamento nas unidades básicas de saúde é um avanço. Ao permitir marcações por telefone ou aplicativo, a Prefeitura rompe com o modelo arcaico de filas madrugadoras, que submetia a população ao desgaste e, muitas vezes, à frustração de sair sem atendimento. Digitalizar o processo é, sem dúvida, um passo necessário. Soma-se a isso a criação de uma regulação municipal de leitos, com investimento no Hospital Santa Lydia. Em teoria, um pacote de medidas capaz de produzir efeitos concretos e positivos.

No entanto, é preciso olhar além da superfície. A Prefeitura tem se esforçado para vender a imagem de modernidade, mas corre o risco de oferecer soluções que funcionam apenas para parte da população, especilmente se considerarmos que houve pouca divulgaçõ dos novos seviços.

Projetos de saúde digital costumam fracassar quando ignoram desigualdades sociais: idosos, moradores das periferias e famílias de baixa renda nem sempre têm acesso fácil à internet ou a smartphones. Sem centrais telefônicas bem estruturadas, pontos de apoio presencial e garantia de que ninguém ficará sem alternativa, a inovação pode se transformar em exclusão.

Outro ponto sensível é a transparência. O Executivo promete reduzir em até 80% as consultas em UPAs por meio da telemedicina. Uma meta ousada — e potencialmente enganosa se não for acompanhada por dados públicos e verificáveis. Quantos atendimentos são realmente resolutivos? Qual a taxa de retorno? Quanto tempo o cidadão espera entre o pedido e o atendimento?

Não dizemos, aqui, que seja esse o cso, mas, via de regra, sem indicadores claros, o discurso de eficiência se aproxima mais de marketing político do que de política pública.

A descontinuidade do cuidado também preocupa. A teleconsulta é útil para triagens, seguimentos e saúde mental, mas não substitui a avaliação presencial em casos complexos ou crônicos. Sem fluxos de encaminhamento consistentes, sem capacitação das equipes e sem integração com os prontuários físicos, o risco é a precarização do atendimento, não sua modernização.

E há a questão central da privacidade. Até agora, a Prefeitura não esclareceu de forma transparente quais são as garantias técnicas de proteção dos dados de saúde dos cidadãos. Informações médicas são sensíveis e sua exposição pode gerar danos irreparáveis. Se o sistema avançar sem salvaguardas claras, a aposta na inovação pode se converter em risco à dignidade do paciente.

O Cuidar On pode, sim, transformar a relação entre a Prefeitura e a população. Mas só será legítimo se vier acompanhado de equidade no acesso, transparência nos resultados, fortalecimento do cuidado presencial e proteção dos dados. Do contrário, corre o risco de ser lembrado mais como propaganda de governo do que como conquista da cidade.