Na política, as inimizades são mais crueis

Antonio Carlos Morandini, no ar há 59 anos ininterruptos com o seu Larga Brasa, fala sobre jornalismo e política

, atualizado

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Antônio Carlos Morandini é a história viva do jornalismo de Ribeirão Preto — e, por que não, da própria cidade. Aos 82 anos — sendo 69 dedicados ao jornalismo — mantém, há 59 anos, seu programa diário no rádio. É dele o recorde de programa mais longevo do país.

No ar desde 10 de maio de 1966, o Larga Brasa consolidou-se como um dos programas mais duradouros do Brasil, mantendo o mesmo apresentador ao longo de toda a sua trajetória. Mais do que um programa de rádio — depois também de televisão —, tornou-se símbolo de uma comunicação popular, crítica e participativa.

O homem que diariamente pede "juízo" ao público em seu programa — um de seus bordões mais conhecidos — também enveredou pela política. Foi vereador, vice-prefeito e disputou a Prefeitura de Ribeirão Preto, sendo derrotado por Antônio Palocci no segundo turno. Não guarda saudades. "É algo que eu não desejaria que meu filho ou meus netos seguissem. Na política, as inimizades são mais cruéis", afirma.

Nesta entrevista, Morandini revisita sua trajetória, relembra personagens, bastidores e momentos decisivos do jornalismo local, reflete sobre sua passagem pela política e reafirma a vocação que o acompanha desde a adolescência: dar voz a quem precisa ser ouvido. Confira.


JORNAL RIBEIRÃO: Como começou sua trajetória no jornalismo?

ANTONIO CARLOS MORANDINI: Comecei no jornalismo aos 13 anos de idade, fazendo uma coluna estudantil no Diário de Notícias. Era um tempo de jornalismo muito idealista. Quando você se envolve de verdade, começa até a brigar — inclusive no início da coluna — por espaço na manchete do jornal.

No rádio, vou completar 60 anos de carreira agora, no dia 10 de maio. Comecei justamente em uma comemoração do Dia das Mães, na Rádio 79. A homenageada era a mãe do ex-prefeito Welson Gasparini, que, à época, não era casado e, simbolicamente, ela era considerada a primeira-dama.

Como era o funcionamento do jornalismo naquela época?

O Diário de Notícias firmou um convênio com a Rádio Brasiliense para divulgar notícias em primeira mão, captadas pelo telégrafo. O telegrafista recebia as informações das agências internacionais, por rádio de alta potência, e as transmitia em Código Morse. Depois, essas informações iam para as chamadas "tripas", seguiam para a oficina e, com o linotipo, eram impressas. Paralelamente, fazíamos o jornal ao vivo no rádio, e eu narrava essas notícias.

Por que as notícias tinham tanto impacto naquele tempo?

Porque chegavam antes. Naquela época, os ônibus que traziam jornais a Ribeirão Preto só chegavam depois do meio-dia. Assim, quando o jornal impresso chegava, a notícia já era velha. À noite, havia o Jornal Falado Tupi, muito forte, com nomes como Gonçalo Parada e Corifeu de Azevedo Marques. Eu também fui colaborador desse grande jornal falado da Rádio e da TV Tupi.

Quando começou sua ligação com o rádio em Ribeirão Preto?

Foi a partir daí. Comecei a me envolver cada vez mais com o rádio. Depois, fui para a PRA-7, que era maravilhosa, um verdadeiro sonho. Tinha um auditório multicolorido, tudo feito pelo senhor Bueno, pensado especificamente para rádio. Contava com a participação de nomes como Boni, Pacote e Maria Augusta Gomes de Matos, que depois foram todos para a Globo, além de artistas como Márcio Franco, Rogério Cardoso e muitos outros.

E depois da PRA-7?

Fui para a Rádio Cultura, onde tive grandes mestres, como Fuade Cassis, Jovino Campos, Sebastião Porto, entre tantos outros. Em seguida, fui convidado por Orestes Lopes de Camargo para integrar a Rádio 79, que havia sido do grupo do PTB na época de Getúlio Vargas e depois passou para a Associação Comercial. A emissora era dirigida para contrabalançar o Centro de Debates Culturais da PRA-7.

Em que momento você entrou no setor policial?

Entrei no setor policial de forma muito intensa. Era de tudo: unha encravada, caspa, cabelo — ou seja, absolutamente tudo. Tive grandes colegas, pessoas que me ajudaram a manter o programa e a consolidar minha trajetória. Foi uma passagem natural do jornal para o rádio, do rádio para programas de opinião e, depois, para a televisão.

Sobre o Larga Brasa, como surgiu o programa?

Quando fui para a 79, estava em pauta o nome "Manda Brasa", ligado a um partido político da época. Nós não queríamos entrar na questão política e discutimos o nome Larga Brasa, no sentido de chegar e "largar". A ideia surgiu em uma reunião, apresentei a proposta, ela foi aceita e, assim, começamos o programa.

No início, tinha 40 minutos, começava às 7h40, e depois vinha uma enxurrada de publicidade, porque naquela época havia muita inserção comercial. Com o tempo, o público começou a aceitar o programa, e ele foi crescendo: passou das 7h às 8h, depois até 8h30, 9h e, por fim, das 9h às 10h.

Tínhamos ainda uma segunda edição, às 11h, com os chamados mini-repórteres. Foi daí que surgiu o Heraldo Pereira, que começou conosco aos 9 anos de idade. Muito eficiente, hoje conhecido nacionalmente. Outros também surgiram naquela oportunidade, porque demos espaço para que pudessem se apresentar.

O programa cresceu, foi para a TV e, na televisão, também teve grande aceitação. Íamos aos bairros, ajudávamos pessoas que precisavam de alguma coisa, encontrávamos pessoas desaparecidas, dávamos furos de reportagem. A polícia sempre abriu as portas para nós, e muitas vezes ficávamos no ar a noite inteira, dormindo no carro ou na delegacia para pegar as primeiras notícias.

Como foi sua experiência na televisão?

Trabalhei por muito tempo na TV Record de Franca, inclusive como âncora regional. Tinha meu próprio programa, com opinião do interior, exibido na madrugada, com a participação de muitos prefeitos. Eu viajava constantemente para Franca para realizar esse trabalho. Esse programa foi a expressão da minha intuição, da minha vontade e da minha vocação de ser jornalista.

Houve colaboradores marcantes nessa trajetória?

Sim. Um dos grandes colaboradores que começou comigo foi Wilson Toni, apesar da objeção de muitos, que não gostavam de sua voz. Naquele tempo, o rádio exigia voz forte; nomes como José Maria Pizarro eram referência. Eu lutei para que ele estivesse comigo, e ele superou tudo e todos com experiência, sabedoria e boa vontade.

Houve momentos em que ele não interpretava bem seus próprios atos ou palavras, mas sempre buscava algo melhor. Sempre houve algo de bom. Tenho enorme satisfação por ter trabalhado com ele e com todos que estiveram comigo ao longo desse tempo.

Você foi vereador, vice-prefeito, candidato a prefeito e até presidente da Cohab. Como você vê hoje sua relação com a política?

Com relação à política, sinceramente, me decepcionei muito. Trabalhei bastante nessa área, mas a decepção foi grande. É algo que eu não desejaria que meu filho ou meus netos seguissem.

Fez mais inimizades na política ou no jornalismo?

Olha, em relação a inimizades, nunca procurei fazer nenhuma, porque sempre busquei fazer a coisa certa. Mas é aquela história: no jornalismo, às vezes você precisa dizer determinadas coisas, e isso fica marcado.

Tenho certeza de que, depois, com uma série de atividades, especialmente ações humanitárias realizadas pela rádio, consegui abrandar um pouco as "picadas das abelhas". Ainda assim, fiz mais inimigos no jornalismo do que na política. Na política, porém, as inimizades são mais cruéis.