'Eu nunca gostei de cozinha'

Rafael Martinez, dono da Falaguasta, revela como surgiu o amor pela produção de pizzas e como tornou um hobbie de pandemia uma marca que fatura R$ 15 milhões por ano

, atualizado

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Em 2021, no quintal de casa em Ribeirão Preto, Rafael Martinez transformou um hobby despretensioso em uma busca obsessiva pela pizza perfeita. Inspirado por viagens à Europa e fascinado pela técnica italiana, mergulhou em fermentações longas, ingredientes de excelência e processos que combinam rigor e afeto.

O que começou como diversão entre amigos e uma forma de sobreviver durante a pandemia virou uma marca que cresceu rápido, sustentada pela ideia de que pizza não é apenas produto: é experiência. Rafael costuma dizer que o segredo não está só na massa, mas em como cada cliente se sente ao abrir a caixa.

Hoje, com operação profissionalizada, padrão rigoroso e um plano ousado de chegar a 45 unidades até 2028, a Falaguasta mantém a missão que move o fundador desde o quintal: transformar clientes em fãs, entregando qualidade, acolhimento e uma identidade construída fatia por fatia. Nesta entrevista, Rafael fala sobre a própria trajetória — do estagiário de comunicação que trabalhou um ano sem receber salário ao empreendedor — sem esquecer o amor pelo Botafogo Futebol Clube. Confira.

JORNAL RIBEIRÃO - O senhor tem décadas de atuação no jornalismo, como jornalista esportivo primeiro, depois como empresário da comunicação, e agora no setor de alimentação, com a Falaguasta. Como foi essa história?

RAFAEL MARTINEZ - Tudo aconteceu naturalmente. Nada foi planejado. Nem quando entrei no jornalismo, aos 14 anos, trabalhando em rádio como ajudante — fiquei um ano sem ganhar um real, com o maior prazer. E também não planejei abrir uma pizzaria ou ter uma rede. As coisas simplesmente aconteceram.

Brinco que tem alguém lá em cima me guiando. Há dez anos, se você dissesse que eu seria dono de uma rede de pizzarias, eu acharia surreal. Do mesmo jeito que, se me dissesse que daqui dez anos eu seria dono de uma startup que levaria o primeiro brasileiro a Marte, eu daria risada. As coisas foram acontecendo. Eu nunca gostei de cozinha. Na pandemia, comecei a fazer pizza em casa, para brincar, aprendi no YouTube. A pizzaria nasceu de conhecimento gratuito da internet. Fui aprendendo, errando, acertando, sendo resiliente.

Percebi que o jornalismo esportivo local é muito restrito. A assessoria esportiva, ainda mais. Com as redes sociais, montei minha agência, tive clientes de outros nichos — inclusive restaurantes, o que me deu bagagem de marketing. E da agência surgiu a pizzaria. Tive clientes bons, mas muitos não eram engajados na gestão, apesar do meu marketing. Aí pensei: "preciso ter o meu". Comecei a fazer pizza, vi que dava para fazer e aconteceu.

O senhor começou com uma unidade, depois abriu a segunda e então virou franqueador. Qual é a avaliação do negócio hoje?

Abrimos a primeira franquia há dois anos e seis meses, em Sertãozinho — um grande sucesso. Recentemente ela foi encerrada, não por falta de venda — faturava quase 400 mil por mês — mas por desacerto com o franqueado. Depois vieram Cravinhos, Serrana e Araraquara. Temos quatro unidades franqueadas na região e mais uma em Ribeirão, no Ipiranga — do Henrique Matos, ex-zagueiro do Botafogo. E as minhas próprias: Casa Falaguasta, Bonfim, Botânico, Unidade 13, Presidente Vargas e a unidade Pocket no estádio do Botafogo, que abre apenas em grandes eventos.

Quanto custa ser um franqueado Falaguasta?

A taxa de franquia é 70 mil reais. O investimento depende do ponto, mas a partir de 300 mil é possível montar uma unidade. Em custos fixos, temos 5% do faturamento de royalties e 2% de taxa de marketing.

E a expansão internacional em Portugal?

O projeto internacional está parado. Tivemos problema de energia em Portugal: o prédio não suportava a carga. Para resolver, seria necessário mexer na estrutura inteira. Operamos quase um ano. O delivery não performou, o salão sim. Mas a tendência é não permanecer aberta.

Hoje, qual é o faturamento da Falaguasta?

Uma unidade fatura de 80 a 300 mil por mês, depende do ponto. O grupo fatura R$ 15 milhões por ano.

O senhor tentou expandir para o setor de massas. Como está a operação?

O Mangia — nossa operação de massas — será encerrado em 23 de dezembro. Nem anunciamos ainda. Foi um grande erro. Tirou meu foco. Perdi R$ 3 milhões ali. Mas é aprendizado, uma faculdade caríssima. Agora, em 2026, vamos voltar a focar na venda de franquias.

No seu caso, qual foi o "pulo do gato" para virar empreendedor?

Foi no rádio. Eu trabalhava para o Rochinha, ganhava uns R$ 1.200, sem registro. Ele disse: "o 13º de vocês tem que vir da venda de propaganda". Eu poderia reclamar, mas pensei: "além do 13º, ganho 30% de comissão". Fui vender.

Peguei 200 reais com meu primo do Posto Martinez, mais 200 com o Gilmar da Zambiase. Aí ouvi propaganda de vereador na CMN e pensei: "vou na Câmara". Fui gabinete por gabinete. Vendi para uns dez. Ganhei meu 13º e mais uns R$ 3 mil. Ali percebi: vender é a melhor profissão do mundo. E empreendedorismo tem tudo a ver com venda.

Depois o Rochinha viu potencial e me ofereceu um horário parado de sábado: metade para mim, metade para ele. Organizei o programa, chamei amigos, vendi quase tudo sozinho.

Depois, montei um jornal em Cravinhos. Logo depois, o Botafogo me chamou para ser assessor de imprensa.

O que mudou com a Falaguasta?

Quando surgiu a Falaguasta, percebi duas coisas:

1. que eu era infinitamente melhor executando marketing para mim do que para qualquer cliente;

2. que restaurante, apesar de difícil, tem potencial de escala muito maior que agência.

Hoje parece lógico. Na época, era instinto — instinto e vontade.

Qual é o conselho para quem quer empreender, mas não sabe por onde começar?

Primeiro: ninguém sabe por onde começar. Quem diz que sabe, mente.

Segundo: você só descobre fazendo. Curso ajuda, livro ajuda, live ajuda — mas a verdade aparece quando você põe a cara.

Terceiro: precisa estar disposto a perder. Empreender é ganhar e perder. Perdi 3 milhões no Mangia. Isso acabaria com muita gente. Eu segui.

Quarto: venda. Quem não sabe vender não empreende. Empreender é vender o tempo inteiro: produto, ideia, confiança, visão.

E, por último: foco. Quando foquei na pizza, tudo deu certo. Quando dispersei, perdi dinheiro, tempo e energia. Agora, em 2026, estarei 100% focado em franquia, expansão e delivery. Para mim, o bom empreendedor não é o mais inteligente ou técnico: é o mais resiliente.

Sobre o Botafogo: como está sua relação com o clube hoje?

Quando o Adalberto [Baptista] assumiu, ainda estávamos lá. Ajudamos, fizemos a campanha do acesso, eu como vice-presidente de comunicação. Era um desafio porque o Botafogo vinha da era da garrafa PET, e todos diziam que o estádio não encheria sem ela. E o jogo do Botafogo-PB foi sem PET. Quando vi o estádio cheio, pensei: "conseguimos". Fizemos campanha, rádio, outdoor. Tudo organizado por mim.

Depois disso?

Ele nem conversou com a gente. Acho que blindaram ele das pessoas que eram botafoguenses. Não deu atenção. Fiquei muito chateado. Depois, quase caímos, chamaram a gente de novo. Reassumimos as redes sociais. Conseguimos mobilizar a torcida.

Voltei a me encantar, achei que agora ele valorizaria. Mas acabou o trabalho e veio um "foda-se vocês". Doeu. Me afastei. Quando tentei superar, fui conversar com ele para patrocinar o clube. Fizemos um bom negócio, patrocinamos. Valeu para a marca. Mas senti falta de retenção. Eu queria ajudar mais. Ele mantém um distanciamento dos botafoguenses. Não renovamos.

Tecnicamente, ele foi leal e profissional. Mas poderia ter aproveitado mais minha capacidade de aproximar a torcida — algo que ele não consegue. Hoje, a relação é fria. Quase zero contato. Ainda patrocino de forma branda: o jogador recebe pizza em todos os jogos. É fria, mas poderia ser mais próxima. Talvez falte interesse deles. Não reclamo: é direito deles.

Você sonha em presidir o clube?

Sonho. Loucura, distante. Mas meu sonho é ter estrutura financeira para assumir a presidência. Falta gente com capacidade de gestão e de unir as pessoas. Eu tenho isso. Não tenho inimigos, sou do diálogo — e é isso que o Botafogo precisa. Está longe. Hoje não teria condições financeiras ou familiares. Mas um dia, se a Falaguasta chegar lá… seria um sonho.

Qual seria sua visão de gestão?

Pensar grande. "Qual é a visão para dez anos?" Por que não sonhar com Libertadores? No curto prazo, subir para a Série A. Todo campeonato entrar para ser campeão. Assim se aglutina gente. Sem coletividade, não existe clube forte.