'A grandeza do Botafogo está acima das dificuldades'
Alessander De Martin, novo presidente do clube, promete gestão compartilhada com Eduardo Esteves e briga ferranha com Adalberto Baptista
, atualizado
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Alessander De Martin acaba de assumir a presidência do Botafogo Futebol Clube em meio a uma encruzilhada jurídica e financeira. Herdeiro de uma longa tradição botafoguense — seu pai, Hermenegildo De Martin, já presidiu o Conselho Deliberativo e é um botafoguense histórico —, ele chega com o desafio de reconstruir a relação com a SAF (a sociedade empresária que administra o futebol) e lutar por maior autonomia para o clube.
Médico e empresário, Alessander tem 46 anos e tem sido voz ativa nas disputas envolvendo a Trexx Holding, de Adalberto Baptista. Ele acusa descontinuidade no diálogo institucional, chegando a afirmar que "o barco está à deriva".
Sua gestão se compromete a resgatar a transparência, garantir os repasses obrigatórios da empresa e planejar o futuro do clube com ética, sem abrir mão da identidade do Botafogo. Confira a entrevista.
JORNAL RIBEIRÃO: Vou começar pelo seguinte: o senhor foi eleito agora — por aclamação. Desde o presidente Dmitri Abreu, com a descoberta de contratos irregulares envolvendo a sócia Trexx e o clube, o Botafogo tem mantido uma linha de confrontação com a SA e a SAF. Sua atuação como presidente seguirá esse caminho?
Alessander De Martin: Vamos dar continuidade ao trabalho iniciado com o presidente Dmitri, depois com Alfredo Cristovão e Eduardo Esteves. A conduta do Botafogo Futebol Clube não muda: com base na decisão dos conselheiros de ingressar com ação contra a Brasil-Canadá e romper a sociedade, precisamos prosseguir com todo o trabalho do departamento jurídico do clube.
O senhor tem ao seu lado o ex-presidente Eduardo Esteves, certamente o dirigente que mais colocou em prática as medidas judiciais para contestar os contratos e a parceria com a SAF. Como avalia esse relacionamento? Ele é uma sombra ou, de fato, um parceiro estratégico?
Eu vejo o Eduardo hoje como um presidente ao meu lado, e não como sombra. Mudou a cadeira, virou vice, mas todas as decisões serão tomadas em conjunto, como antes. Vamos cumprir rigorosamente o estatuto do BFC, com transparência junto ao Conselho Deliberativo.
O senhor é conselheiro do Botafogo na SA, um ambiente turbulento, com muitos conflitos entre sócios. Agora, como presidente do clube, pretende continuar como membro do conselho administrativo? Como vai conciliar isso?
Estamos estudando isso juridicamente. Eu sou vice-presidente do Conselho de Administração, mas é sabido que esse conselho tem se reunido muito pouco — os conselheiros que representam o clube na S/A não participam da gestão cotidiana. Convoquei quatro reuniões este ano, com o presidente do conselho e o diretor financeiro, para exigir esclarecimentos, mas eles não vieram. Por isso, nossos advogados vão instaurar uma medida legal em até 15 dias.
Nos últimos anos, especialmente em 2025, têm surgido críticas sobre a representatividade do Conselho Deliberativo: dizem que apenas cerca de 25 conselheiros tomam decisões importantes, o que poderia deslegitimar as ações de contestação dos contratos com a SAF. Como o senhor analisa essas falas? E será que a torcida e a comunidade botafoguense não participam mais ativamente desse debate?
Sim, tivemos reuniões com quórum menor, mas também fiz campanhas intensas para reforçar o apoio. Contatei cerca de 60 conselheiros, e quase todos confirmaram respaldo à nossa plataforma: transparência, defesa da causa do clube e responsabilização. Vejo um colegiado forte, mesmo que muitos atuem nos bastidores, não apenas nas reuniões formais.
Como presidente, o senhor assume em um momento crucial: o Botafogo vive graves dificuldades financeiras. Há documentos que apontam inviabilidade da SAF e sufocamento das finanças do clube. Quais serão suas medidas nos dois anos de mandato para lidar com isso? E que legado espera deixar?
A situação é dramática. O Botafogo vive com migalhas: nossa receita está concentrada na SAF, e eles não repassam os valores — como os 20% que a lei da SAF exige. O departamento jurídico já conseguiu decisões favoráveis para obrigar os repasses. Quando esse dinheiro entrar, o plano é renegociar credores, pagar dívidas históricas e limpar o nome do clube. Queremos dar a volta por cima com responsabilidade e honestidade, para que o Botafogo recupere sua dignidade financeira.
Quais serão suas principais ações enquanto presidente do Botafogo para interferir nesse cenário? E que marca o senhor espera ter deixado ao fim dos seus dois anos de mandato?
Toda a nossa receita ficou nas mãos da empresa, e essa empresa não repassa quantia alguma para o Botafogo. O clube está sem receber o uso de superfície — referente ao aluguel do estádio Santa Cruz — e vem sendo sufocado financeiramente. Nós, conselheiros e botafoguenses, temos feito verdadeiros milagres nos últimos anos, honrando compromissos financeiros. E, quando falo em compromissos financeiros, falo de pagar as custas do RCE, pagar advogados, pagar Brasil-Canadá. A dificuldade financeira é tremenda porque a nossa empresa, da qual somos sócios, não repassa o valor devido — os 20% previstos na lei da SAF.
Isso é um problema grave, mas o Departamento Jurídico está a par da situação e trabalha para resolvê-la. Já tivemos decisões favoráveis obrigando a empresa a repassar os 20%, que é obrigação dela e direito do Botafogo como sócio que iniciou a SAF. Quando esses repasses começarem a entrar, precisaremos de um planejamento financeiro para pagar os credores. Acho justo pagar a quem se deve. Em gestões anteriores, é notório para a população que os presidentes simplesmente mandavam "pegar fila": não pagavam ninguém, e o Botafogo tinha reputação de mau pagador.
No momento em que o dinheiro entrar no caixa, por meio do RCE conquistado pelo Departamento Jurídico, nossa obrigação será iniciar um planejamento de pagamento e negociação com os credores. Pagando esses credores, o Botafogo se livra desse fantasma do passado temerário e consegue vislumbrar um futuro melhor, com equalização das contas. Quero que essa seja a marca da nossa gestão.
Em relação à disputa judicial com Adalberto Baptista e a SAF, qual é o status hoje? Existe negociação para um novo sócio ou para uma divisão da gestão?
A relação está estremecida desde os primeiros presidentes. Não há diálogo institucional — não temos reuniões de acionistas, nem Conselho de Administração ou Fiscal ativos. Isso é insustentável para uma empresa de grande porte, com faturamento alto. Por outro lado, já surgiram interessados: fundos estrangeiros idôneos e clubes com experiência internacional. Mas nada está fechado. Seremos éticos: resolveremos juridicamente primeiro e, depois, decidiremos junto ao Conselho Deliberativo se aceitamos outro sócio.
Resumindo: há saída para o Botafogo Futebol Clube?
Esse é um momento turbulento. Não são problemas novos, mas erros antigos que estouram agora — contratos mal assinados, dívidas históricas, documentos irregulares. Precisamos urgentemente do apoio do Conselho e da torcida para minimizar esses erros e construir um futuro sustentável. Não vai ser fácil e não vamos resolver tudo, mas precisamos mostrar ao torcedor que o clube continua sendo nosso maior patrimônio.
Domingo, no estádio, os jogadores merecem nosso incentivo. A grandeza do Botafogo está acima das dificuldades — e estamos aqui para reconquistar tudo isso, com trabalho, coragem e verdade.