'Tivemos uma geração extirpada da vida política'

Grande articulador do PT, Zé Dirceu quer voltar ao Congresso; ele revela respeito pelo passado de Palocci, mas não vê reaproximação possível

, atualizado

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Na encruzilhada da política brasileira, o ex-ministro José Dirceu, figura histórica - e polêmica - do PT reaparece não como relíquia do passado, mas como voz ativa no empastelado xadrez de alianças, disputas e expectativas que moldam 2026. Condenado em 2012 no escândalo do mensalão e, depois, em diversos processos da Operação Lava Jato — sentenças que somaram mais de 30 anos de prisão — Dirceu teve essas condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal em 2024 por suspeição de parcialidade no julgamento. Agora, tenta regressar ao Congresso - é pre-candidato a deputado federal.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Ribeirão, ele defende uma "revolução tributária" capaz de mexer no alicerce das desigualdades; alerta para a necessidade de uma frente ampla que não repita os erros da esquerda; e aponta São Paulo como palco decisivo para o reequilíbrio de forças.

Ao mesmo tempo, lança olhar crítico sobre a saída de Antonio Palocci — aquele que, ao lado dele, formou o duo de peso do PT nas articulações — agora convertido em delator, e reivindica: "cada um responde pelos seus atos".

Se por um lado convoca os militantes da base para saírem da defensiva, por outro lembra que o poder não se reconquista apenas no vento das ideias, e sim no barro das articulações e no suor das campanhas. Eis o extrato da entrevista:

JORNAL RIBEIRÃO: Temos uma campanha que já está se avizinhando e, ao que tudo indica, vai ser mais uma campanha polarizada. Dessa vez, com a sua participação direta, depois de alguns anos sem disputar cargo eletivo. Qual é a sua expectativa pra essa volta?

José Dirceu: Evidentemente que essa eleição, em São Paulo, como foram as de 2018 e 2022, será decisiva para a eleição presidencial — também porque São Paulo é o estado mais importante do País.

Por isso, estamos muito bem colocados se olharmos para 2018 e 2022. Temos dois grandes eleitores aqui em São Paulo, além do presidente Lula: o ministro Haddad e o vice-presidente, o ministro Geraldo Alckmin.

Nós temos uma aliança sólida — PT, PSB, PV, PSOL, Rede, PDT — e apoio em muitos estados do MDB e do PSD.

Acredito que podemos ter até maioria dentro do MDB apoiando o presidente Lula.

E há uma base concreta: temos governo, temos obras, temos resultados.

É possível bater o legado de Bolsonaro em Sâo Paulo?

Hoje, quem ainda diz "sou do Bolsonaro, mas não quero o Bolsonaro" revela uma indecisão que mostra o esgotamento do bolsonarismo. Amplos setores da sociedade brasileira não querem mais ouvir falar em negacionismo, obscurantismo, autoritarismo e golpe militar.

O bolsonarismo virou uma espécie de trumpismo tropical — uma tentativa de intervenção política nos nossos assuntos internos: energia, regulação das big techs, decisões da Suprema Corte.

Queria que o senhor aproveitasse pra falar também sobre a dobrada que está se configurando entre o senhor e a vereadora Duda Hidalgo — uma das figuras jovens do PT. Como o senhor avalia essa mescla da sua experiência com a juventude dela?

O cenário eleitoral é esse. E é por isso que a candidatura da Duda é muito importante.

A nossa campanha conjunta, no ano que vem — ainda como pré-candidatos — reflete uma demanda real de renovação no Congresso Nacional.

As manifestações do 21 de setembro mostraram isso: a imensa maioria dos participantes era jovem.

Há uma necessidade grande de renovar e, ao mesmo tempo, de dar sustentação ao presidente Lula, para que ele possa implementar o programa de governo pelo qual foi eleito.

O que aconteceu nesses três anos é que o presidente dependeu do apoio de partidos que não o elegeram e não concordam com sua agenda. Então, vejo que a Duda representa o que está acontecendo em muitos estados do Brasil — essa renovação.

Na sua análise, faltou renovação ao PT?

O PT, de 2013 até 2019, depois veio a pandemia, não teve tempo de se renovar. Passamos esse período nos defendendo: primeiro, defendendo o mandato da presidente Dilma; depois, a liberdade do Lula; em seguida, enfrentamos a pandemia. Agora, temos novamente a oportunidade de reconstruir e renovar.

O mandato da Duda em Ribeirão mostra como é importante ter presença na Câmara e na cidade.

Eu pretendo colaborar no Parlamento com o governo do presidente Lula. Quando ele me convidou para voltar à direção do PT e trabalhar na eleição do Edinho [Silva, ex-prefeito de Araraquara], o objetivo foi justamente esse: apoiá-lo na Câmara, ajudá-lo, e, se eleito, contribuir com o próximo mandato presidencial.

O senhor participou de um momento histórico — o início dos governos Lula — e era um dos articuladores centrais, junto com o Antonio Palocci. O senhor fez parte do núcleo duro que ajudou a conquistar o poder na primeira eleição do Lula e manteve grande influência no partido depois disso. Na minha opinião, o senhor e o Palocci foram os dois maiores articuladores que o PT já teve desde a fundação. Todo mundo fala que o partido tem poucos quadros de substituição. Na sua análise, falta renovação? Faltam novos quadros com a mesma qualidade dos antigos?

Olha, tivemos uma geração de quadros muito qualificados: o Gilberto Carvalho, o Ricardo Berzoini, o Aloizio Mercadante, o José Genoino, o Luiz Dulci, o Tarso Genro... todos participaram da construção do PT.

Essa geração foi, de certo modo, extirpada da vida política — primeiro pelo chamado "Mensalão", depois pela Lava Jato.

Hoje, o presidente Lula ainda conta com lideranças experientes, como o Fernando Haddad, o Jacques Wagner, o Zé Guimarães, a Gleisi Hoffmann, a Marina Silva, o Renan Filho, o Alexandre Silveira.

São quadros de grande valor, com experiência de governo, e que agora convivem com uma nova geração que está surgindo.

Faltou transição?

Nós não deixamos a política — fomos retirados dela. Eu mesmo tive o mandato cassado por motivos políticos. Por isso, quero disputar de novo, para que São Paulo repare essa injustiça.

Mas o mais importante é que o presidente Lula tem razão quando diz que o futuro depende dos partidos.

O Brasil precisa de partidos fortes, estruturados, e o PT é o que mais tem capacidade de governar.

Falando da nossa aldeia e do nosso Tejo... o senhor citou várias lideranças, e eu falei também de como muitas foram extirpadas da vida política, em especial por causa do mensalão, do petrolão e da Lava Jato. Mas há uma figura do PT que não se encaixa nesse mesmo roteiro: o Antônio Palocci. Ele fez delação, saiu do partido pela porta dos fundos, e o Lula já sinalizou, em alguns momentos, uma reaproximação. O senhor acha que o PT está pronto para perdoar o Palocci?

Essa pergunta tem que ser feita ao PT, enquanto instituição. Mas, na minha análise, eu sempre reconheço o lugar que o Palocci ocupou — pela competência, capacidade e liderança — na história do Brasil e do PT.

Como líder sindical, militante político, prefeito, deputado estadual, federal, ministro de Estado e dirigente partidário.

O que aconteceu depois, todos sabemos: foi um processo político. A delação, o desligamento dele do PT — é algo que só ele pode explicar.

A mim, fica até constrangedor comentar, porque não sei em que circunstâncias ocorreu. Nunca fui consultado sobre qualquer possibilidade de reaproximação entre o Palocci, o PT ou o presidente Lula.

Cada um sabe o que faz na vida e responde pelos seus atos. É assim que vejo.