'Advocacia administrativa é crime e deve ser investigada'
Presidente da OAB vê responsabilidade do advogado que atua na administração pública de informar incompatibilidade e fala em 'ajudar' prefeitura
, atualizado
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Advocacia administrativa é crime e deve ser investigada pelo Ministério Público. Eis a opinião do advogado Alexandre Silveira, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Ribeirão Preto, quando questionado sobre denúncias envolvendo profissionais que atuam ao mesmo tempo para empresas e para o Poder Público, mesmo com vedação expressa do estatuto da advocacia. Ele ressaltou, ainda, que cabe à OAB "a análise das questões éticas envolvendo os profissionais que eventualmente atuarem irregularmente na gestão pública".
O advogado, que comanda a subsecção da OAB até 2027, é pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da USP em Ribeirão, afirmou, em entrevista exclusiva, que a responsabilidade pelo licenciamento da OAB é do próprio servidor, mas que a Ordem "se propõe a atuar de forma estratégica" a fim de evitar a contratação de profissionais irregulares.
Ao comentar grandes processos, como a Operação Sevandija, ele defendeu a calma, afirmando que o processo segue seu regular andamento nas instâncias superiores e que a OAB preza pelo devido processo legal, afastando o rótulo de insegurança jurídica.
Por fim, Silveira reafirmou a essencialidade do advogado no sistema de Justiça, classificando a luta por respeito e isonomia como uma pauta perene. Confira os principais pontos da entrevista.
Jornal Ribeirão: Há uma série de denúncias sobre advogados que, em tese, estariam exercendo irregularmente a profissão, atuando na prefeitura e na esfera particular ao mesmo tempo, mesmo com impedimento legal. Como a OAB se posiciona sobre isso?
Alexandre Silveira: A questão está regulamentada nos artigos 28, 29 e 30 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), que dispõe sobre os casos de incompatibilidade do exercício da advocacia simultaneamente à ocupação de cargo ou função pública, bem como sobre os casos de impedimento, nos quais é vedado apenas advogar contra a Fazenda Pública que remunera o ocupante do cargo. A OAB salienta que os processos abertos para a apuração de eventual violação ao dever ético correm em sigilo, por força de lei, até o seu término, só podendo este sigilo ser levantado por determinação judicial.
Como fica a questão da responsabilidade por conta desses servidores?
A OAB não tem um órgão ou função de fiscalização proativa para verificar quem, de fato, está praticando a boa advocacia, ou se o colega investido em um cargo está impedido ou incompatível. Todas as questões éticas são tratadas, analisadas e apuradas pelo seu Tribunal de Ética e Disciplina (TED), que é um órgão inerte. Ele age quando provocado, pois não poderia ser, ao mesmo tempo, acusador e julgador.
Na hipótese dos colegas investidos em cargos de confiança, eles têm consciência e ciência de que é dever deles solicitarem o licenciamento dos quadros da OAB. Eles foram obrigados a fazer uma prova sobre o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética e Disciplina. Portanto, eles têm ciência de que solicitar esse licenciamento é um dever, e não uma faculdade.
Uma vez que não solicitem, o Tribunal de Ética e Disciplina apurará a situação, mas sempre a partir de denúncia, como provocação.
Contudo, há que se ressaltar, no tocante à administração pública, que advocacia administrativa é crime. Portanto, a competência para a apuração disso é do Poder Judiciário, e a investigação é feita pelo Ministério Público. Na OAB, nós não apuramos crime, mas sim a infração ética disciplinar.
A OAB pode colaborar com a Prefeitura para evitar que esse tipo de questão aconteça?
A administração pública é regida pelo artigo 37 da Constituição, que prevê os postulados da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Nesse sentido, e até por se tratar de uma nova gestão, nós oficiaremos para que tomem ciência cabalmente do que trata o artigo 28 e seguintes do Estatuto da Advocacia.
Não obstante, a própria administração pública pode também exonerar esses funcionários que não estejam em situação de irregularidade no seu órgão de classe, tomando por base o artigo 37, o princípio da moralidade, ainda que isso não esteja previsto no regimento como causa impeditiva da assunção do cargo. AAté mesmo com base na Lei da Ficha Limpa. É algo que a administração pública, se for proativa, pode e deve adotar como mecanismos de conformidade e integridade do seu processo de escolha dos funcionários de alto escalão.
Há previsão ou possibilidade de uma parceria, um trabalho em conjunto com a administração para identificar esses advogados?
Com certeza. A administração pública pode adotar mecanismos de conformidade e integridade, dentre eles questionários, para que se identifiquem essas situações e elas sejam sanadas de pronto. A parceria seria no sentido de conscientizar e informar a administração pública sobre as cláusulas impeditivas de advogados que assumam cargos de confiança de continuarem ativos e, principalmente, de advogarem contra a Fazenda Pública ou a administração que os remunera.
Mudando o foco, o processo da Sevandija está parado no Supremo, à espera de decisão na questão das escutas. Como a advocacia analisa essa questão? É uma insegurança jurídica?
A OAB não faz as vezes de um juiz togado, muito menos de um Tribunal. Há instâncias competentes para a apuração de eventuais questões de fato e de direito. Assim, não se admitem críticas infundadas ao exercício do direito de defesa, que constitui pilar essencial do Estado Democrático de Direito.
Eventual morosidade do Poder Judiciário não pode — e não deve — justificar julgamentos açodados, em desatenção ao devido processo legal constitucional.
Eu entendo que o processo da Sevandija tem um regular andamento. Não estamos falando de um processo que esteja, ainda que virtualmente, à beira de uma prescrição. Eu acho que há uma margem de segurança muito grande para que todos os fatos e teses sejam apreciadas pelas instâncias superiores, que é o que de fato está acontecendo agora.
É preciso aguardar o julgamento dessa questão pelo Supremo para que o processo prossiga ou não. Isso faz parte do risco processual. O que importa para a OAB é que seja observado o devido processo legal, constitucional e substancial.
Como o senhor analisa este momento atual da democracia brasileira, com dois presidentes condenados, sendo um deles com o processo anulado? Vivemos um momento de insegurança jurídica?
Pelo contrário. No caso do presidente Lula, o processo foi anulado por questões técnicas, de competência, o que reforça a necessidade de observância do devido processo legal. Um advogado lutou, batalhou, advogou as teses que entendia pertinentes até o Supremo, e lá houve um entendimento de que faltava competência ao juízo de Curitiba. E no caso do presidente Bolsonaro, ele igualmente foi julgado pelo Poder Judiciário em razão do foro por prerrogativa, foi julgado no Supremo Tribunal Federal, em um julgamento colegiado. Embora eu tenha críticas particulares desse caso.
O senhor vê falhas em relação à postura do STF nesse processo?
Penso que houve um certo casuísmo, com oscilação do entendimento do Supremo no tocante ao foro de competência em razão de prerrogativa de função. Eu entendo que essa é uma justificação que tem oscilado muito e não deveria oscilar tanto. Também entendo que ele [Bolsonaro] deveria ter sido julgado pelo plenário da Corte, não pela turma.
Como a advocacia pode fazer para evitar ser colocada em patamar inferior ao dos juízes?
Esse é um dado que não é novo, é algo já de certa data, de que o advogado seria um estorvo, de que o advogado seria aquela pessoa que não deixa os órgãos competentes fazerem sua apuração.
Mas, ao contrário, todos podem precisar de um advogado. Eu costumo falar: você pode afirmar peremptoriamente que nunca cometeu um crime, mas não pode afirmar que não será acusado de um crime. E, quando for acusado, ainda que injustamente, precisará de um advogado. É só essas autoridades precisarem de um advogado, as defendendo de uma condenação injusta, para que sintam na pele a relevância do nosso trabalho para a manutenção e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.
E a OAB tem uma luta constante, essa reafirmação da essencialidade da nossa profissão, bem como a respeitabilidade que nós merecemos. Nós merecemos ser tratados com dignidade e com isonomia pelos demais atores do sistema de justiça. Essa é uma luta constante, não é de hoje, é antiga, é uma pauta perene da OAB.