A causa animal pede socorro
Saiba mais sobre o trabalho de Carlo Barillari, que atua na proteção animal há mais de 30 anos e é tutor da Laysa, cadelinha que gosta de passear nos ombros
, atualizado
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Quem caminha pelas ruas e shoppings de Ribeirão Preto certamente já se deparou com uma cena curiosa: o advogado Carlo Barillari, 54 anos, circulando com suas cadelinhas no ombro, como se fossem papaagaios, chamando atenção por onde passa.
O que parece apenas uma cena inusitada carrega, na verdade, uma história de afeto, resgate e dedicação à causa animal. Há quase 20 anos, Laysa, a pioneira desse vínculo, foi encontrada em Franca dentro de um saco de lixo, gravemente ferida, e entregue à irmã de Carlo por um caminhoneiro. Desde então, a cachorrinha se recuperou, conquistou o hábito de se aninhar no ombro do tutor e passou a compartilhar esse comportamento com suas filhas, Lorena e Laís.
O trio, sempre junto a Carlo, virou símbolo de carinho e resistência, despertando interesse da imprensa, de torcedores de futebol e até de artistas nacionais. "A Laysa é destaque por onde passa. Artistas, jornalistas, todo mundo quer fazer matéria, tirar foto", conta.
Fora a visibilidade, Barillari carrega uma missão séria: há mais de 30 anos atua como protetor independente de animais, promovendo resgates e palestras de conscientização sobre maus-tratos e abandono. Nesta semana, em que se celebra o Dia Mundial dos Animais, ele reforça a importância da responsabilidade e do respeito a todos os seres vivos. Confira a íntegra da entrevista.
JORNAL RIBEIRÃO - Muita gente já viu o senhor passeando com a Laysa nos ombros. Como ela entrou na sua vida?
CARLO BARILLARI - Laysa foi resgatada em Franca há mais de 10 anos. Um caminhoneiro a encontrou dentro de um saco de lixo, com mais dois irmãos já mortos. Apenas ela estava viva. No mesmo dia, ele trouxe a filhote para Ribeirão, encontrou minha irmã Carla em um posto de combustíveis atrás do estádio do Comercial e pediu que cuidasse dela. Assim começou essa história. Laysa estava com vários ferimentos, dente quebrado e bastante debilitada. Levamos ao veterinário e iniciamos sua recuperação com vacinas, vermífugo e todos os cuidados necessários.
E como ela começou a ficar no seu ombro?
Ela nunca foi ensinada a andar no meu ombro; isso aconteceu naturalmente, por apego a mim. A Lorena também compartilha desse vínculo. Elas querem estar perto, juntas, demonstrando essa proximidade de forma espontânea.
Dois meses após o resgate, já recuperada, Laysa começou a me acompanhar no escritório. Ela queria subir na mesa e, de lá, ia para o meu ombro. No carro, também preferia esse lugar. Tentei diversas vezes deixá-la no chão, mas ela sempre voltava. No início, algumas pessoas acharam estranho, mas decidi respeitar o espaço em que ela se sentia segura.
Com o tempo, passamos a frequentar shoppings. As pessoas pediam para tirar fotos e emissoras de TV começaram a fazer reportagens. As redes sociais ampliaram ainda mais essa visibilidade.
No começo, fiquei um pouco envergonhado, mas acabei aceitando. Hoje, Laysa tem uma vida social ativa: onde eu vou, levo ela, e ela permanece no ombro. A Lorena, inspirada pela mãe, também adotou esse hábito, assim como a Laís, outra filha. Todos adoram passear dessa forma, e eu as levo a todos os eventos em que somos convidados.
Laysa acabou ficando famosa, não é?
Sim. Ficou conhecida pela torcida do Botafogo e também de outros times, além de inúmeros artistas e cantores. Ela chegou a aparecer em reportagens mostrando encontros com artistas que, inclusive, tiveram a oportunidade de segurá-las no ombro.
O senhor vem fazendo um trabalho de atendimento a casos de violência contra animais. Como começou isso?
Sou protetor de animais há mais de 30 anos. Desde o primeiro contato com a Laysa, foi amor à primeira vista. Então eu atuo como protetor e também sou tutor. Uma coisa acaba levando à outra. Quando você ama os animais, quer protegê-los. E venho fazendo isso há três décadas.
De onde veio esse amor pelos animais?
Herdei da minha mãe. Ela sempre resgatou cães e outros animais em situação de sofrimento nas ruas, levando-os para casa. Cresci nesse ambiente e aprendi a proteger os animais de forma independente, sem vínculo com ONGs.
Hoje, meu foco é a causa animal: sou convidado a escolas e eventos para dar palestras sobre maus-tratos e abandono, conscientizando crianças e adolescentes. Se alguém deseja ter um animal, deve cuidar bem dele e jamais maltratá-lo. Esse é o meu compromisso.
Haverá, neste fim de semana, um grande evento de apoio à causa animal. O senhor irá participar? Como analisa?
Neste final de semana, dia 4 de outubro, comemora-se o Dia Mundial dos Animais, em homenagem a São Francisco de Assis, padroeiro dos animais. Sempre que participo de eventos ou escolas, reforço dois pontos: maus-tratos e abandono.
Toda semana recebo pedidos de resgate — dois ou três em média — e não consigo atender a todos, pois não tenho uma ONG e minha casa não comporta tantos animais. Faço o que posso, mas essa é uma responsabilidade que cabe também ao município.
Hoje, a Divisão de Bem-Estar Animal está lotada, e muitas vezes nem lá os animais conseguem ser acolhidos. Por isso, reforço: não maltratem e não abandonem. O animal não é um brinquedo que pode ser descartado na rua. Ainda estamos longe de uma solução definitiva, mas o Dia Mundial dos Animais deve servir para despertar a responsabilidade e o respeito que todos devemos ter pelos seres que dependem de nós.
E como está a causa animal em Ribeirão?
Atuo em um projeto há seis meses com a Guarda Municipal, e sinto na pele os problemas. Quem atua na causa animal enfrenta dificuldades enormes. Quando encontramos um animal ferido ou doente na rua, não temos uma estrutura adequada para encaminhá-lo. A clínica veterinária municipal, que antes havia sido anunciada como hospital, ainda não funciona e parece estar sendo constantemente adiada.
Falta valorização e cuidado aos protetores e profissionais. Enquanto isso, resta levar o animal para um veterinário particular, o que gera custos altos e difíceis de arcar. Essa é uma das principais reclamações dos protetores: a clínica precisa abrir logo e atender de fato.
E qual alternativa?
No Bem Estar Animal, a situação também é crítica. O local está superlotado, os animais ficam amontoados, muitos deles doentes ou feridos. Não há condições adequadas para receber novos resgates. Além disso, as ONGs de Ribeirão Preto já não têm mais espaço. Muitas sobrevivem apenas com verbas que mal cobrem a ração, sem estrutura para acolher novos casos. A falta de apoio público torna a realidade muito dura.
Recentemente, por exemplo, um cão resgatado precisou ser levado para a Guarda Civil Municipal porque não havia lugar. Ele acabou sendo adotado pelos próprios agentes. Eu mesmo estou, desde o início do ano, cuidando de uma pitbull com 12 filhotes. Consegui doar seis, mas ainda estou com a mãe e outros seis em casa.
A verdade é que Ribeirão não oferece um abrigo decente que permita receber um número maior de animais. O investimento na causa animal é muito pequeno, e quem paga a conta são os protetores independentes, que, com recursos limitados e doações escassas, não conseguem atender toda a demanda. Muitas vezes gastamos milhares de reais do próprio bolso, o que pesa até em nossas vidas pessoais.
É muito triste, porque amamos os animais, mas simplesmente não há como acolher e ajudar todos. Nossa luta é árdua e contínua. Esperamos que um dia a situação mude e que a cidade ofereça a estrutura que os animais e os protetores merecem.
Nem todos sabem, mas você é advogado e vem de família tradicional em Ribeirão. Te incomoda ser reconhecido como o dono da Laysa?
De forma alguma. Já fiz e faço muitas coisas. Tenho 54 anos, fui goleiro — reprovado na peneira do meu time, o Botafogo, mas aprovado no Comercial, onde joguei nas categorias de base. Sou advogado desde 1997 e continuo na ativa. Trabalhei como assessor do ex-deputado federal Fernando Chirelli, entre outras experiências. Mas, acima de tudo, sou apaixonado pelos animais, e isso faz parte de quem eu sou.