'A saúde tem que deixar os anos 1980'

Maurício Godinho aponta modernização e telemedicina como grandes realizações; mas admite um déficit de R$ 65 milhões

, atualizado

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Maurício Godinho, secretário da Saúde de Ribeirão Preto, ressalta projetos em andamento
Maurício Godinho, secretário da Saúde de Ribeirão Preto - Foto: Guilherme Sircili
Maurício Godinho, secretário da Saúde de Ribeirão Preto - Foto: Guilherme Sircili

Desburocratizar. Essa é a palavra do secretário da Saúde, Maurício Godinho, usou para definir sua principal conquista em nove meses de gestão. E não poupou palavras: afirmou que a estrutura da Secretaria da Saúde estava mais de 40 anos atrasada. Disse, ainda, que avalia sua gestão como nota 8. "Não dá para dar um dez. Mas, em comparação com o momento em que assumimos, nossa equipe merece um oito,"

Conhecido por sua postura direta, Godinho detalha como transformou a fundação Santa Lídia, que se tornou 100% SUS e municipal, e modernizou as UPAs, incluindo telemedicina e novos protocolos de atendimento. Aborda temas espinhosos, como polêmicas na diretoria, salários de servidores e contratos com hospitais privados. Confira.

A Prefeitura anunciou o uso de telemedicina para atendimento aos pacientes das UPAs. Quais os resultados?

Nós tivemos quase 25 mil teleatendimentos, dos quais 85% geraram receita ou atestado, documentos médicos. No total, foram 54 mil pacientes atendidos presencialmente e pelo aplicativo. Eu avalio que, sim, está indo do jeito que eu gostaria. Mas tem espaço para crescer e chegar até 60 mil consultas/mês.

A administração falou em 80% dos atendimentos. É possível?

A gente ainda não chegou nesse número, mas já nos aproximamos de 50%. Mas penso que a população tem que se acostumar, tem que sempre divulgar. É bom para o profissional da saúde e para a população. Tira aquelas consultas que demandam tempo e poderiam ter sido resolvidas de forma simples.

A gente percebeu que aumentou a gravidade dos pacientes que passavam por atendimento. Mas ainda temos, por exemplo, sobrecarga às segundas-feiras, que é o dia internacional do atestado. E um direito do paciente, mas não podemos tumultuar a UPA, que é para atendimento urgente e emergente.

Sobre o agendamento de consultas pelo 0800 em quatro unidades de atenção básica, a ideia é chegar em todas?

Sim. A gente fez um piloto. Nessas quatro unidades, pelo 0800 e pelo aplicativo, nesses próximos 15 dias. Eu quero identificar quais são as dificuldades. Se vamos usar o aplicativo, o 0800, a internet. Existe uma tendência a usar o aplicativo. Nossa previsão é que, em outubro e novembro, chegue a todas as unidades.

Qual a motivação dessa medida?

A ideia é que a gente vá capacitando as pessoas para que as consultas sejam marcadas das suas casas. Precisamos acabar com essa situação de abrir a agenda para consultar em um único dia. Isso coloca a saúde de Ribeirão nos anos 1980. Esse negócio de só ter um dia do mês, em determinado horário, para marcar, só gera incômodo. A pessoa fica numa fila desde as 5 horas da manhã, porque quer garantir a consulta. A unidade abre às 8h, vai começar a agendar às 9h e a pessoa fica 4 horas de pé na fila aguardando. Isso não faz sentido em 2025. Basta fazer pelo aplicativo.

Mas isso não altera a quantidade de vagas...

O número de vagas não aumentou. Nem diminuiu, é o mesmo. Falta vaga? Na minha opinião, falta. Faltam mais profissionais para isso. Passa por contratação, e não temos previsão para isso em 2025. Iremos trabalhar para ocorra a partir de 2026.

Sobre orçamento. existe um cenário de caos, com déficit gigante. Como lidar com isso?

A gente vai fechar o ano. Não precisaremos de cortes drásticos, nem reduzir plantões. Além disso, ampliamos o número de médicos nas UPAs; hoje, temos 15 médicos de plantão por dia em cada unidade, incluindo especialistas. Quando assumi a pasta, havia um déficit de R$ 150 milhões para 2025, dado fechado pelo antigo governo. Nós diminuímos para R$ 65 milhões.

Como foi possível reduzir o déficit ampliando o serviço?

Graças à responsabilidade administrativa. Fechando torneiras que ficam pingando sem perceber. Por exemplo, havia um contrato de oxímetro de pulso que não estava sendo usado, de um milhão por ano. Cortamos o contrato. Também estamos revendo o contrato de transporte para cadeirantes, buscando soluções mais inteligentes, que vão custar metade do preço. É um contrato de mais de R$ 30 milhões. Todo esse exercício de gestão busca usar o dinheiro quando necessário. Vai precisar de suplementação? Vai. Mas estamos mantendo o valor dentro do previsto legalmente, que a saúde pode receber do Executivo.

A folha de pagamento está garantida?

Sim, está garantida até o final do ano. Nenhum profissional deixará de receber. O serviço de urgência e emergência continuará. O que não faremos agora é ampliar novos serviços; o que existe será mantido.

E quanto ao Santa Lydia? Muitos problemas?

Houve polêmica na troca da diretoria e na divulgação dos salários. Ainda há ajustes sendo feitos. Eu coloquei pessoas de confiança que estão realizando o serviço e, conforme necessário, substituindo profissionais que ainda trazem problemas. Minha opinião é que, com essas mudanças, no próximo ano conseguiremos dar alguns saltos na fundação.

Que mudanças estão previstas?

Vamos implementar novos equipamentos, tornando o hospital de maior complexidade. O objetivo é torná-lo um hospital terciário a partir de 2026. Quebramos contratos com particulares; hoje ele é 100% SUS. Ampliamos o número de leitos que estavam fechados ou inutilizados. Estamos trabalhando continuamente: climatizando todas as enfermarias e comprando novas camas, mais de 100, substituindo as antigas. Outro exemplo: a alimentação. Antes os pacientes comiam em bandejas do marmitex; agora terão louça própria, confortável e digna. Queremos mostrar que o SUS pode ser confortável e bonito, sem precisar ser feio.

Você acha que é uma possibilidade não atender apenas a prefeitura?

Cito muito o exemplo da FAEPA, e minha ideia é virar uma mini FAEPA, que dá apoio para o HC. Hoje, o HC não existe sem a FAEPA. Cada vez mais, a ampliação de serviços exclusivamente com servidores é complicada, né? Tem um custo alto, e aqui tem que pensar como gestor também. Então, provavelmente, alguns serviços novos a gente deve levar para o modelo de fundação. Eu não estou querendo contratar nenhuma empresa para isso; na verdade, é a fundação, que é ligada à prefeitura, que deve dar mais mobilidade e dinâmica para o serviço, como acontece hoje com a FAEPA e o HC.

E quanto à ideia de tornar a fundação uma mini FAEPA, isso incluiria prestar serviços para outras instituições, prefeituras ou unidades hospitalares privadas?

Eu acho que, nesse momento, a gente não consegue. Preciso reestruturar a Fundação para que ela dê o suporte que o município de Ribeirão Preto precisa. Ainda temos muito a oferecer para a saúde do município.

Qual é o principal gargalo e do que você se orgulha?

O principal gargalo era um sistema de saúde muito atrasado, quase de 1980: marcação de consultas, arquivamento, papéis. Estamos implementando o digital para todos os profissionais, papel zero. Antes, o médico escrevia no computador, imprimia, carimbava, e só então arquivava. A partir de agora, todos os registros vão ser digitais. O papel será eliminado. O médico registra no computador, e tudo fica disponível no sistema, sem precisar imprimir e arquivar. Isso melhora a organização, agiliza processos e diminui erros.

Quais os avanços que você considera mais significativos?

Conseguimos reduzir o déficit, aumentar a equipe de plantão nas UPAs, implantar especialistas, melhorar fluxo de pacientes, criar sistema de fila única, modernizar a infraestrutura e investir em conforto para os pacientes. Tudo isso sem aumentar o orçamento, apenas otimizando os recursos.

Qual é a sua avaliação do trabalho realizado até agora?

Daria nota 8. Há muita coisa a fazer, mas comparado com o que pegamos, acho que 8 é justo. Ainda há desafios, mas o trabalho realizado já transformou significativamente o atendimento municipal e a eficiência do sistema de saúde.