Diretora do Meio Ambiente advoga para empresa em causa ambiental
Prefeitura determinou abertura de sindicância após denúncia do Jornal Ribeirão; atuação contraria Estatuto da Advocacia
, atualizado
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A advogada Mariana Rodrigues Sargento, diretora do Departamento de Gestão Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de Ribeirão, representou, simultaneamente ao período em que exerceu cargo público, uma empresa que tem projetos tramitando na própria secretaria. Informada do caso pelo Jornal Ribeirão, a prefeitura abriu sindicância para apurar eventual conflito de interesses.
Mariana foi advogada da empresa Agros Agropecuária e Empreendimentos Ltda. em um processo movido pelo Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema) do Ministério Público do Estado de São Paulo. A Agros, fundada em 1999, atua no setor de incorporação imobiliária e mantém relações com a Urba MRV, empresa do grupo MRV&CO especializada em bairros planejados.
Os projetos relacionados à Fazenda Santa Margarida passaram pelas Secretarias do Planejamento e do Meio Ambiente — órgãos onde Mariana Sargento exerce função de direção.
A advocacia, por sinal, é vedada, nesss condições e por pessoas em cargos de chefia, de acordo com o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994)
PROCESSO
Mariana exerceu simultaneamente as funções de diretora pública e advogada da empresa privada no processo nº 0002319-14.2019.8.26.0506, que tramita em Ribeirão Preto. A Agros foi condenada judicialmente a apresentar projeto de restauração ecológica e cadastro ambiental rural (CAR) referentes à Fazenda Santa Margarida, área rural com cerca de 348 hectares.
A decisão judicial no processo em que Mariana atuou enquanto diretora do Meio Ambiente obriga a Agros a apresentar projeto de reserva legal e cronograma de recomposição vegetal à CATI Regional de Ribeirão Preto (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral), responsável pela análise técnica e homologação do plano de restauração ecológica.
A LEI
O artigo 28, inciso III, do Estatuto da OAB estabelece que a advocacia é incompatível com o exercício de cargo ou função de direção em órgãos da administração pública direta — ainda que o profissional atue em causa própria. Isso significa que servidores comissionados em funções de comando não podem advogar enquanto permanecerem no cargo, sob pena de violação ética e legal.
No caso, o conflito é ainda mais evidente, na medida em que, no processo, pode haver questões que sejam de responsbilidade da prefeitura - o que configuraria conflito claro de interesse.
A reportagem consultou o cadastro da Dra. Mariana Rodrigues Sargento no site da OAB e constatou que ela está em situação regular.
NOMEAÇÃO
A nomeação de Mariana Sargento ocorreu em 8 de julho de 2024. O documento que revoga seu mandato — ou seja, transfere os poderes processuais a outro advogado — está datado de 10 de julho de 2024, apenas dois dias após sua nomeação. No entanto, o protocolo oficial dessa transferência foi feito um ano depois, em 21 de julho de 2025, o que levanta suspeitas sobre uma possível tentativa de regularizar a situação retroativamente.
Durante esse intervalo, o nome de Mariana continuou constando em pelo menos cinco publicações no Diário da Justiça Eletrônico, o que indica que permaneceu ativa no processo, contrariando a tese de esquecimento ou erro administrativo.
Procurada, empresa Agros Agropecuária e Empreendimentos Ltda não informou se processo teria relação com Ribeirão
A reportagem do Jornal Ribeirão tentou contato com a Agros Agropecuária e Empreendimentos Ltda. para esclarecer se o projeto de recomposição florestal, objeto da condenação judicial, seria submetido à análise da Secretaria Municipal do Meio Ambiente ou à Secretaria Estadual da Agricultura.
A empresa não se manifestou oficialmente sobre o assunto. A única resposta obtida foi dada por uma atendente, que não se identificou, mas informou que somente a advogada responsável pelo processo, Dra. Mariana Sargento, poderia responder sobre o caso.
Após lavar as mãos, prefeitura muda de ideia e diz que vai apurar o caso
A Secretaria do Meio Ambiente de Ribeirão Preto informou, em nota, que, ao tomar conhecimento do caso por meio deste veículo de comunicação, decidiu abrir sindicância para apurar os fatos:
"Diante da relevância [da denúncia, a prefeitura], decidiu abrir uma sindicância para apurar a situação com a devida atenção", informou.
A Administração reforçou ainda "que o procedimento garantirá o direito de manifestação da servidora, que poderá apresentar suas explicações de forma oficial no curso da apuração."
O posicionamento, entretanto, é uma mudança em relação ao observado pela administração em pedido anterior, feito pelo JR, quando houve questionamento em relação a advogados nomeados em cargos comissionados - precisamente o caso da diretora.
Na ocasião, a prefeitura informou que "não há impedimento, no âmbito do regimento da Administração Municipal, para que advogados com registro ativo na OAB ocupem cargos públicos em comissão ou funções de confiança".
Afirmou, ainda, que é "responsabilidade exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil fiscalizar e garantir" o cumprimento da lei.