Alexandre de Moraes - Leviatã continuará entre nós — ora de toga, ora de farda, ora de microfone

Substituímos o medo do caos pelo medo da toga – hoje o poder não aplica a lei; é a lei - não queremos justiça, queremos apenas que o Leviatã sirva ao nosso lado – o problema é o homem no cargo

, atualizado

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Leaviatã e o poder do estado
Leaviatã e o poder do estado - Foto: Imagem composta
Leaviatã e o poder do estado - Foto: Imagem composta

Desde os primórdios da civilização, o homem precisou criar monstros para se proteger de si mesmo. O Leviatã bíblico — criatura marinha indomável — foi reinterpretado por Thomas Hobbes como alegoria do Estado: um poder supremo que controla o caos e mantém a paz. Mas, dizia o filósofo, esse monstro é necessário porque o homem, por essência, é mau. Movido por vaidade, interesse e desconfiança, o homem precisa de correntes — leis, contratos, Constituição — para não devorar o próximo.

O episódio que agora envolve Alexandre de Moraes e o Banco Master parece evocar justamente esse abismo hobbesiano entre o ideal de um Estado racional e a natureza humana que o habita. A Constituição, nosso contrato social, supõe magistrados acima dos vícios, guardiões da legalidade. Mas, quando esses guardiões passam a operar à margem dela, o Leviatã — que deveria conter a besta — torna-se o próprio monstro.

Hobbes enxergava o Estado como instrumento da sobrevivência, não da virtude. Quando as instituições deixam de servir ao bem público e passam a refletir os interesses pessoais de seus condutores, o “Leviatã protetor” degenera em Leviatã devorador.

No Brasil, substituímos o medo do caos pelo medo da toga

A antiga confiança no Judiciário deu lugar à suspeita de que a lei é manejável — não imutável. E quando essa suspeita se generaliza, o pacto social racha em silêncio. O ministro Alexandre de Moraes — que já fora visto como bastião da legalidade — agora se vê coberto por nuvens de dúvida. Negar não basta. Na república dos homens vaidosos, negar é apenas a forma moderna de afirmar. É preciso esclarecer, expor as sombras, demonstrar que a instituição ainda domina o instinto e não o contrário. Caso contrário, o próprio Leviatã constitucional perece, devorado pelos apetites que deveria conter.

Sob o verniz jurídico das ações e decisões, há algo mais profundo: a luta entre o humano e o institucional. Quando a vaidade e o poder pessoal substituem o cumprimento dos contratos sociais — a Constituição e os códigos que dela derivam — o Estado volta ao estado de natureza. Nesse cenário, quem tem o poder não aplica a lei; é a lei. E esse é o momento em que o monstro reaparece. Moraes não é o primeiro a encarnar esse paradoxo, nem será o último. A direita o aplaudiu quando Sérgio Moro, outro Leviatã servia contra seus inimigos; a esquerda agora o defende com igual cegueira. Num país em que as tribos se alternam no trono moral, todos somos cúmplices da corrupção do Leviatã.


É a essência hobbesiana que aflora: não queremos justiça, queremos apenas que o monstro sirva ao nosso lado. Em 2026, talvez o que se rompa não seja a blindagem de um ministro, mas o feitiço social que nos faz crer que o problema é o homem no cargo, e não o homem em si. Porque, enquanto formos criaturas movidas por vaidade, interesse e poder, o Leviatã continuará entre nós — ora de toga, ora de farda, ora de microfone.


Alexandre de Moraes tem explicações a dar. Ministro do STF não é intocável, afinal — e o episódio envolvendo o Banco Master exige esclarecimentos públicos. Negar ter atuado junto ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em favor do Master, de Daniel Vorcaro, não basta. A narrativa da suposta “Lei Magnitsky brasileira” soa mais como distração do que defesa. Se o Senado decidir convocá-lo, Moraes deve explicar, sem rodeios, se houve conflito de interesses entre suas ações, o escritório de advocacia de sua esposa e o banco em questão. A verdade é que Alexandre de Moraes se transformou em uma espécie de Sérgio Moro da Suprema Corte — um juiz que opera à margem da Constituição, blindado por um sistema que o reverencia enquanto ele atravessa as linhas institucionais. A esquerda hoje naturaliza em Moraes o mesmo autoritarismo que a direita aplaudiu quando Lula foi preso por Sérgio Moro. O erro é o mesmo; apenas trocam-se as cores da toga. O timing não poderia ser pior. Moraes enfrenta turbulências internas: Ricardo Lewandowski sai do Ministério da Justiça, e Mário Sarrubbo, na Secretaria Nacional de Justiça Pública, vive o seu pior momento. A engrenagem paulista da militância judiciária, de fazer Justiça Pública instalada em Brasília mostra desgaste. O ano de 2026 promete ser o da rachadura. A blindagem pode não resistir à pressão que vem de dentro e de fora — e, quando isso acontecer, discursos de autoridade e moralidade não vão esconder os vestígios de poder pessoal travestido de justiça. Agora, a bancada bolsonarista, a bancada da bala e a bancada evangélica pedirem impeachment sem apurações é patético.

Artigo opnativo de responsabilidade do autor