Da Anistia à Dosimetria: Leis sob encomenda | Articulista Ângelo Lopes
"Todos santos! Na autoanálise psicanalítica , o inconsciente revela-se naquilo que emerge na própria consciência."
, atualizado
Compartilhar notícia
O Projeto de Lei da chamada “Nova Lei de Anistia” teve como inspiração a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, que concedeu anistia ampla durante a ditadura militar. A proposta recente, no entanto, foi concebida como uma espécie de “indulto de fim de ano” legislativo, uma iniciativa inédita do Congresso Nacional e do Senado para intervir em um campo que, até então, era ato exclusivo do Poder Executivo, com determinação expressa do Presidente da República. Embora cercado de debates éticos e morais, o PL da Anistia tinha natureza eminentemente política e seletiva, voltada a beneficiar exclusivamente os condenados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro e, sobretudo, os núcleos dirigentes da articulação: ex-presidente e vice, ex-ministros, além de militares da reserva e da ativa sem extensão para nenhuns outros crimes de qualquer espécie e operações. (guarde este grifo, pois piora muito)
Diante da intensa reação popular — fomentada por movimentos sociais, partidos de esquerda e setores artísticos —, o projeto acabou sendo sepultado. Dessa crise, emergiu uma nova agenda: o Projeto da Dosimetria da Pena, idealizado pelo ex-presidente Michel Temer e articulado com as mãos do deputado Paulinho da Força. Diferentemente do projeto “anistia do golpe” a proposta busca reduzir penas e reequilibrar condenações, configurando uma mini-reforma de penas voltada a atenuar punições de crimes considerados secundários, quando combinados com outros, contudo este novo rearranjo tem efeito colateral, para outros tipos de crimes, o que nada é por acaso.
Bastidores da mudança de estratégia
A derrubada política do PL da Anistia, sob forte pressão de movimentos de esquerda, parlamentares governistas e setores organizados da classe artística, obrigou a oposição a redesenhar sua estratégia no Congresso. O custo de defender publicamente o perdão amplo a todos os envolvidos no 8 de janeiro, incluindo líderes e financiadores da trama golpista, passou a ser visto como alto demais do ponto de vista eleitoral e de imagem pública.
Nesse vácuo, ganhou força uma solução apresentada como mais “técnica” e “jurídica”: o PL da Dosimetria, gestado em articulações na casa de Michel Temer, com protagonismo de Paulinho da Força. O discurso oficial mudou de anistia para “revisão de penas”, “pacificação” e “correção de excessos”, deslocando o foco do perdão político para a crítica à suposta desproporção das condenações aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal aos réus do 8 de janeiro.
A “gulodice” e o rótulo “PL pró facção”
A virada do “PL da Anistia” para o “PL da Dosimetria” abriu espaço para uma ampliação muito mais ampla do alcance da norma penal, o que explica a reação dura de parte do Senado e da opinião pública. Ao mexer em regras gerais de execução e progressão de pena, o texto passou a alcançar não apenas os réus do 8 de janeiro, mas também condenados por outros crimes, inclusive corrupção ativa e passiva, peculato, e até brechas para delitos graves como crimes hediondos, homicidas levando críticos a apelidarem a proposta de “PL pró facção”, pois recuperava trechos perdidos da PL Antifacção.
Na Câmara, parlamentares embutiram dispositivos que poderiam reduzir o tempo de pena para esses crimes principalmente contra a administração pública e outros mais graves em relação ao crime organizado recém combatido, gerando análises técnicas sobre repercussões. A principal crítica foi a contradição entre o discurso de “correção de excessos” nos atos antidemocráticos e o efeito colateral de afrouxar penas para um universo amplo de condenados, em choque com projetos antifacção recentes.
Emenda de Moro e suspeita de conflito
No Senado, desta vez a pressão da imprensa fez o texto “patinar”, com uma emenda “salvadora” de Sergio Moro, acolhida na CCJ, reforçando percentuais mais duros para crimes hediondos, feminicídio, milícias e organizações criminosas, limitando o foco a crimes contra o Estado Democrático de Direito. Vendida como “freio de arrumação”, a emenda preservou benefícios para crimes sem violência direta, como os de colarinho branco. (acima na referência “GRIFO”, afirmei que ia piorar)
Essa atuação do ex-heroi Sérgio Moro, ocorre sob investigações no STF sobre a Lava Jato, com buscas autorizadas por Toffoli na 13ª Vara de Curitiba e apreensões pela PF, alimentando leituras de conflito de interesse, o que certamente beneficia o próprio Senador Sérgio Moro em possível e provável condenação. Adversários veem manobra “sob medida”; aliados, coerência punitivista ajustada à dosimetria do 8 de janeiro, já no caso da emenda do senador um ato que pode beneficia-lo em caso de uma condenação.
Lula, sanção e risco de derrubada
Com a aprovação no Senado em 17 de dezembro, o PL chegou à mesa de Lula, que sinalizou veto em meio à rejeição popular ao alívio para golpistas e corruptos. Pela Constituição (art. 66), o presidente tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar total/parcialmente; silêncio implica sanção tácita. Um veto integral deslocaria o embate ao Congresso, que pode derrubá-lo por maioria absoluta em sessão conjunta. Líderes governistas apostam no desgaste pré-eleitoral de quem defender publicamente um “PL pró facção”, testando os limites da pacificação nacional sob medida para réus do sistema.
Contudo, não tem santo em nenhum dos lados, pois a própria “situação política” governamental agiu, por debaixo dos panos para que o PL fosse aprovado no Senado em troca de de um projeto de governo muito caro a economia de 2026 em diante, a revisão linear de todos os benefícios fiscais um projeto de lei complementar (PLP 182/2025) que estabelece um corte linear de 10% nos benefícios fiscais concedidos a empresas e setores econômicos, como exemplo da isenção fiscal específica de R$ 0,35 por lata de Coca-Cola. A União espera reaver aos cofres públicos R$ 20 bilhões em 2026, com o corte linear de 10% de todos os incentivos fiscais.
O assunto longe de terminar
O tema está longe de encerrar: ações de inconstitucionalidades pipocam diariamente, e o PL da Dosimetria deve parar nas mesas de ministros do STF, que decidirão sobre sua validade — integral ou parcial, possivelmente excluindo benefícios para Bolsonaro e réus golpistas do grupo mentor justamente por se tratar de uma lei sob encomenda para beneficiário alvo. Enquanto o futuro não chega, pontos para reflexão: Michel Temer, paulista e pai do PL Dosimetria da Pena, indicou Alexandre de Moraes ao STF como ministro da Justiça em seu governo, posteriomente a Ministro do STF tem aderência não só com seu afilhado; se a lei vingar assim, integralmente, ou parcialmente, nos dois casos a redução de pena ao ex-presidente pode ter sido um "pano de fundo" Bolsonaro ter servido de pretexto para safar centenas de agentes públicos e políticos de crimes contra a administração pública dos quais muitos deles do seu partido e espectro politico do Centrão.
*Artigo Opnativo
acesse diariamente a Coluna Entrelinhas dos Poderes, a coluna do Sartre