Famílias não preparadas
Para Ana Azevedo, o processo de adoção é visto de forma parcial. Só se fala da parte bonita, de uma família que se abre, mas a gente não fala de que essa família tem que estar muito preparada para receber qualquer criança. Quando a família não está preparada, a gente tem esses casos de devolução. Queremos despertar esse debate para que as pessoas que tomam essa decisão saibam o que elas vão ter que enfrentar.
A diretora alerta para a responsabilidade de quem adota, pois a devolução de uma criança por falta de adaptação ao convívio familiar pode trazer sérias consequências.
As crianças vêm com uma bagagem gigantesca. Se família a devolve, isso causa traumas ainda maiores. Geralmente são crianças um pouco maiores vêm da periferia, têm histórico de abuso, com uma família que a negligenciava, explicou Ana.
Situações como as retratadas pelo documentário, foram contabilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De cada 100 crianças adotadas no Brasil, cerca de nove têm o processo de adoção desfeito, conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento mantido pelo conselho.
No total, o sistema registra que 24.673 crianças e adolescentes foram adotados no país desde 2019. Desse universo, 2.198 foram devolvidas a instituições de acolhimento (8,9%).
Excepcional e irrevogável
Apesar de a adoção ser considerada medida excepcional e irrevogável, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), juizados de infância acabam por atender a pedidos de devolução para que a criança ou adolescente não fiquem expostos a maus-tratos, abusos, humilhações, indiferença e descaso na família que quer desistir de sua adoção, aponta o Diagnóstico sobre a devolução de crianças e adolescentes em estágio de convivência e adotadas, publicado em 2024 pelo CNJ e pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).
A devolução de crianças adotadas, embora seja uma ocorrência relativamente rara, levanta questões importantes sobre o processo de adoção e a preparação dos pais adotivos. Diversos fatores, incluindo as características das crianças, a dinâmica familiar e as expectativas dos pais adotivos podem influenciar a decisão de devolver uma criança. Além disso, as variações regionais e a eficácia das equipes de adoção também podem desempenhar papel significativo, descreve o documento.
Ainda segundo o estudo, este fenômeno aponta para a necessidade de abordagem mais abrangente no processo de adoção, que envolva não apenas a preparação e o acompanhamento contínuo dos pais adotivos, mas também um sistema de suporte robusto para as crianças antes, durante e após o processo de adoção.
Fim da adoção
Apesar de considerar a adoção excepcional e irrevogável, o ECA prevê que a adoção pode ser abolida quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa.
O estudo do CNJ e da ABJ traz informações sobre as razões para a devolução. As entrevistas com as pessoas que devolveram mostram que diagnósticos psiquiátricos, o uso contínuo de medicamentos e outras questões psicológicas da criança contribuíram para a descontinuidade do processo. Eles alegam que não estavam preparados para lidar com a situação e esse fator também contribuiu para a dificuldade da criação de vínculos, anota o relatório.
O diagnóstico alerta para os efeitos na saúde psicológica emocional das crianças e adolescentes saídas de uma adoção desfeita. Além dos impactos que a devolução causa na formação da subjetividade e da individualidade de cada um, ainda foram constatados manifestações como: sentimentos de culpa, tristeza e baixa autoestima; agressividade e outros reações comportamentais que geram convivências conflituosas; dificuldade de vinculação; e desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão, transtorno de estresse pós-traumático e outros.