Brando Veiga é denunciado por notas frias e uso irregular de funcionárias na campanha
Segundo relato, vereador, que é bispo da Igreja Universal, pediu à obreira nota fiscal de serviço prestado por assessoras
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O vereador Brando Veiga (REP) é acusado por duas ex-assessoras de utilizar ilegalmente funcionárias de seu gabinete durante a campanha eleitoral de 2024. Além disso, teria usado notas fiscais "frias" da empresa de uma fiel da Igreja Universal para justificar um gasto de R$ 12 mil com recursos do Fundo Eleitoral. Se comprovadas, as acusações podem gerar suspensão dos direitos políticos por oito anos, com perda de mandato. O vereador não comentou as acusações.
As denunciantes afirmam que foram responsáveis pelos serviços de marketing digital na campanha, em horário de expediente. De acordo com relato de ambas, que pediram para que seus nomes não fossem divulgados, o vereador utilizou materiais que foram feitos dentro do gabinete, mas, ao fim da campanha, elas descobriram que o parlamentar declarou notas da empresa de uma obreira da Igreja Universal para o serviço que elas realizaram.
Segundo ambas, os serviços foram realizados por ordem direta de Brando Veiga, com ciência de Josélia Teixeira Veiga Magalhães, que atuou como tesoureira da campanha.
“Fomos nós [ex-assessoras] que fizemos todo o material de campanha, não houve terceiro, não houve empresa. Houve uma empresa que fez a parte de tráfego pago, mas apenas porque eu não quis fazer (...) ele nunca nos pediu para tirar férias, nunca fez qualquer pagamento por fora”, disse uma das ex-assessoras, que chamaremos de Letícia.
Ainda segundo Letícia, elas perceberam que teriam que fazer o material durante o expediente ao serem cobradas por Brando. “Eu sei que isso está errado, que a gente precisa se licenciar e ser contratada pela campanha. Falamos isso para ele, mas ele não nos ouviu”, conta.
ACESSO
A reportagem do Jornal Ribeirão teve acesso a conversas mantidas entre as ex-assessoras e o vereador que comprovam a criação e o envio, para aprovação, das peças de campanha, posteriormente publicadas nas redes sociais do vereador.
Há, ainda, arquivos originais, feitos pelas denunciantes, que corroboram as informações, além de entrevistas que somam, juntas, aproximadamente duas horas de conteúdo, e do compromisso das denunciantes sobre a veracidade das informações, com registro em cartório.
Por fim, as ex-assessoras afirmaram que prestarão depoimento ao Ministério Público Eleitoral sobre o assunto.
A LEI
Brando, que representa a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no Legislativo municipal, teve 97,69% de suas receitas de campanha financiadas pelo partido Republicanos, totalizando R$ 79.840,50 em recursos públicos.
Segundo as regras de prestação de contas eleitorais, os candidatos devem declarar todos os prestadores de serviço utilizados durante a campanha. A infração a esse princípio é considerada crime eleitoral e pode gerar, inclusive, a perda do mandato do parlamentar.
NOTAS
Na prestação de contas de Veiga, existem duas notas nas quais o serviço discriminado é de marketing digital. As duas foram emitidas em favor da empresa de Ana Caroline Freire Chagas Luiz, que é microempreendedora individual, com datas de emissão em 5 de setembro e 1º de outubro de 2024.
No local indicado na nota fiscal como sede da empresa, o imóvel está abandonado. Os vizinhos afirmam não conhecer Ana Caroline e dizem que nunca houve prestação desse tipo de serviço.
OUTRO LADO
Na segunda-feira (5), a reportagem procurou o vereador Brando Veiga, que não respondeu aos questionamentos. Na terça-feira (6), novos contatos foram realizados, mas também sem retorno até o fechamento desta edição.
A reportagem tentou contato com representantes da Igreja Universal, mas não foi atendida. O Republicanos, por sua vez, tem como política não comentar investigações em andamento. Já Ana Caroline não atendeu às ligações feitas pela reportagem.
Ex-assessora denunciou situação ao Republicanos
De acordo com a ex-assessora que chamaremos de Maria do Carmo, que participou diretamente da prestação de contas da campanha, as notas fiscais foram solicitadas a um obreiro da Igreja Universal para encobrir o uso de funcionárias da Câmara em atividades eleitorais.
“O vereador solicitou a um obreiro da Igreja, chamado Thiago, a emissão das notas. Essa pessoa ofereceu as notas da mulher, Ana Caroline, que entregou as notas que foram utilizadas na prestação de contas”, disse Maria do Carmo.
Ela afirma ter denunciado o caso à direção do Republicanos, incluindo o bispo Renato Cardoso, da Assembleia Legislativa, e o bispo Alessandro Paschoal. Segundo ela, o escândalo levou à substituição da administração regional do partido.
“Chegou a vir até Ribeirão um emissário do partido. Fomos chamados e perguntaram o que estava acontecendo. Nos disseram que tinham recebido reclamações recorrentes sobre o vereador”, afirma Letícia.
A reportagem confirmou que integrantes da direção executiva do Republicanos estiveram em Ribeirão e realizaram encontros reservados com o vereador para apurar o caso.
A reportagem tentou contato com Thiago – que também trabalhou como motorista “voluntário” na campanha de Veiga. Ele informou que quem prestou os serviços foi a mulher dele.
"Isso tem que ser visto com ela. Vou passar o número dela", disse. Momentos depois, ao ser questionado se foi motorista na campanha, desligou a ligação e não retornou mais os contatos.
Local indicado como sede da empresa está abandonado
A empresa de Ana Caroline, que forneceu as notas para a campanha de Brando Veiga, está registrada em um endereço residencial na Rua Manoel de Macedo, 472, Jardim Piratininga, zona Oeste de Ribeirão Preto.
No local, a reportagem do Jornal Ribeirão encontrou um imóvel abandonado, com sinais de abandono e placa de venda.
Vizinhos afirmaram que nenhuma empresa funcionou ali e disseram desconhecer a suposta prestadora de serviços.
Ex-assessora afirma que confrontou Brando
Uma das denunciantes informou que chegou a questionar diretamente o vereador sobre o motivo da utilização das notas fiscais.
“Ele veio pedir desculpas sobre os problemas de assédio moral e perguntou se eu queria perguntar algo. Perguntei os motivos pelos quais foram utilizadas as notas com o trabalho que nós fizemos. Ele disse as seguintes palavras: ‘Eu errei tentando acertar’.”
Vereador está sujeito à suspensão de direitos políticos por oito anos
É proibido utilizar servidores públicos ou empregados do governo, de qualquer esfera (federal, estadual ou municipal), para trabalhar em comitês de campanha eleitoral durante o horário de expediente, exceto se o servidor estiver licenciado.
Segundo o advogado Khaleo Dornaika Guaraty, coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral, a situação descrita nesta matéria pode ser enquadrada como representando três ilícitos diferentes na esfera eleitoral:
“Em teoria, temos captação e gastos ilícitos (art. 30-A, Lei n. 9.504/97), ao usar o fundo eleitoral de forma irregular; uso irregular de servidores durante a campanha (art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97) e abuso de poder político e econômico (Art. 22 da LC 64/90 e art. 14, §10º da CF/88)”, afirmou, ressaltando que, em todos os casos, a pena é de oito anos de suspensão dos direitos políticos.
Há, ainda, possível delito administrativo-criminal, já que o uso de assessores em campanha e a utilização de recursos com justificativa em notas de serviços não prestados podem configurar crimes como peculato e abuso de poder político, com penas de até 12 anos de reclusão, além de multa.