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LUIZ RUFINO
Eis o embate de nosso tempo, meus caros, que nos arrasta ao assombro de mais um ato da comédia humana. Um sábio libanês de nome Nicolas Nassim Taleb, com sua acidez incômoda, desnuda este paradoxo em seus ensaios: de um lado, a Vó, símbolo do conhecimento empírico forjado na trincheira da existência; do outro, os psicólogos, sociólogos, economistas e demais interventores, cuja razão, por vezes, jaz enclausurada na gaiola de ferro da mais pura abstração.
A matéria-prima da sabedoria ancestral, essa que nossa Vó carregava em cada ruga, em cada conselho torto e certeiro, é a "pele em jogo". Não por acaso, esse saber milenar revela uma verdade profunda: a de que quanto mais tempo algo já existe – seja uma ética, um livro, ou um ditado popular –, maior a probabilidade de que continue a existir, pois sua persistência é prova de sua robustez e utilidade testada pelo tempo.
Quem já ouviu da Vó que "devagar se vai ao longe" ou que "é melhor prevenir do que remediar", sabe que esses preceitos, testados por gerações, são mais robustos que qualquer teoria efêmera. Sua antifragilidade é inerente: a sabedoria da Vó foi temperada nas tempestades, fortalecida pelos golpes do destino. Ela é implícita, robusta e funciona – pois seus proponentes pagaram um preço por ela, um preço de carne e osso.
Mas, oh, o que dizer da ciência social moderna? Muitos de seus arautos, com diplomas brilhantes e linguagens cifradas, operam numa torre de marfim inexpugnável, onde o erro não impõe custo algum, onde a "pele em jogo" simplesmente inexiste. Daí brotam suas intervenções, frequentemente rotuladas como "idiotas" pela alarmante ausência de consequências pessoais em caso de falha.
Suas arquiteturas ideais, alheias ao abismo que é o homem, ignoram a carne, o sangue, a alma despedaçada. O político, esse monstro da tribuna, decreta a guerra sem pisar na lama da trincheira e jamais paga a conta. O ministro da Fazenda, carrasco de paletó, sangra o povo com impostos, enquanto sua casta permanece blindada. Seus privilégios, esses fantasmas dourados, intocados no sucesso ou na ruína. Qual o custo de uma teoria econômica que afunda milhões em desgraça? Qual a dor de um terapeuta cujo conselho desvia a alma? Nenhuma, se a responsabilidade direta for um fantasma inalcançável.
O sábio libanês, que de bobo não tem nada, nos joga na cara a figura de Cícero, o político romano que botava a vida em jogo, a pele na reta. Pra ele, filosofia não era papo de café acadêmico, mas aposta alta. Nem vinha com quimera platônica de "República", que ele, com a sola das sandálias no chão, via como papo furado, desprovido de suor e sangue. E não só ele! Pense em Sêneca ou Marco Aurélio, que filosofavam governando impérios, sentindo na pele o peso de cada decisão.
A sabedoria deles? Antifrágil, meu amigo, porque foi vivida, não apenas rascunhada em pergaminhos empoeirados. Ora, um engenheiro de pontes sabe que se der zebra, a coisa desaba – e leva junto a reputação, quem sabe a vida. Mas os 'iluminados' da academia, com seus modelos perfeitos, parecem imunes a desabamentos. Teoria vazia, risco zero, glória garantida!
A Vó, em sua sabedoria bruta, nos berra: só importa o saber que o tempo esculpe na própria carne, à força do açoite. O resto? Ah, o resto é a pantomima de gabinete, papo-furado de quem não tem sequer um fio de cabelo no risco. E nós, coitados, mendigando futuro a esses "especialistas" de ocasião. Nossa tragédia, meus caros, é essa: a fé cega em quem jamais suou uma gota de sangue no campo de batalha da vida.
*cientista político e professor