O servidor de home office, os penduricalhos e o escárnio na Câmara

, atualizado

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Ribeirão Preto não é para amadores — e muito menos a Câmara. Desde 2022, um servidor da Casa simplesmente se recusa a trabalhar presencialmente. Isso mesmo. Enquanto qualquer trabalhador comum — da faxineira ao bancário — precisou retomar sua rotina após o fim das restrições da pandemia, esse cidadão segue, há praticamente três anos, confortavelmente instalado no home office, contrariando, inclusive, a ordem da própria Câmara na volta ao trabalho presencial.

O sujeito ingressou na Câmara em 2009, com salário de R$ 1,7 mil. Mas, graças a uma engenharia escandalosa de gratificações, acúmulos e penduricalhos — muitos deles já considerados inconstitucionais pela Justiça, mas que, graças ao jeitinho brasileiro, não se traduziu em adequação dos salários dos marajás locais — hoje fatura cerca de R$ 30 mil mensais.

E não estamos falando de um caso isolado, mas da regra oculta que rege as entranhas do Legislativo ribeirão-pretano há décadas: proteger castas internas, distribuir benefícios e perpetuar privilégios. Não por outro motivo, a mulher do beneficiário é chamada nos bastidores de Presidente de fato do Legislativo, concentrando poderes.

Para tornar a situação ainda mais absurda, esse servidor recebe duas gratificações destinadas a funções de chefia. Chefia de quê, exatamente? De uma sala vazia? De um gabinete fantasma? Chefia à distância, por videoconferência, talvez. Entre as funções, está a de Pregoeiro – a Câmara parece esquecer que todos os pregões passaram a ser realizados pelo sistema federal, tornando a função mais que desnecessária, um verdadeiro desperdício de dinheiro público.

O fato é que, mesmo não pondo os pés na Câmara há anos, os penduricalhos continuam pingando na conta, mês após mês.

E como se não bastasse o escárnio, esse período de “trabalho remoto” foi aproveitado pelo servidor para cursar Direito na Universidade de São Paulo. Curioso, não? Curioso, mas não surpreendente. Afinal, ele não é um servidor qualquer. É marido daquela que é, nas palavras dos próprios corredores da Câmara, a “presidente oculta” da Casa — a funcionária mais poderosa do Legislativo, que há anos controla nomeações, exonerações, gratificações e boa parte do que acontece nas sombras do parlamento municipal.

Que, por sinal, é sócia de um escritório de advocacia, veja a curiosidade. Em sociedade, por sinal, com um famosíssimo ex-procurador da Prefeitura, que também atuou no Legislativo e ainda atua na prefeitura. E que mantém, também curiosamente, farta clientela entre os que precisam, veja so você, de assossoria em questões que envolvem, por mais improvável que seja, a própria administração municipal.
Mas esse é tema para outro editorial. Mas voltemos.

A denúncia sobre esse home office eterno não é nova. Foi feita em 2022. E a pergunta que se impõe é simples: como, em pleno 2025, esse servidor ainda não foi obrigado a retornar ao trabalho presencial? Que força é essa que permite a manutenção desse privilégio, desse deboche, desse tapa na cara da população que banca, com impostos, essa farra?

Não se trata apenas de um caso isolado de preguiça, conveniência ou esperteza. Trata-se da representação mais cristalina de um sistema apodrecido, onde servidores se tornam donos da máquina pública, protegidos por redes internas de poder, silêncio e conivência.

Enquanto a Câmara de Ribeirão Preto se esforça para posar de moderna, eficiente e transparente, mantém, bem guardados nos seus bastidores, personagens como esse — que são a verdadeira face do atraso, do privilégio e da vergonha institucional.

Está mais do que na hora de a sociedade cobrar respostas — e, principalmente, atitudes. Porque de escândalo em escândalo, o que se consolida é a certeza de que, na Câmara, o serviço público foi sequestrado em benefício de poucos. E quem paga essa conta é você.