A banalização da máquina pública e a omissão institucional

, atualizado

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A denúncia de que funcionárias do gabinete do vereador Brando Veiga (Republicanos) estariam sendo usadas, em pleno horário de expediente, para produzir material de campanha eleitoral não é apenas grave — é um sintoma da degeneração institucional que corrói a Câmara de Ribeirão Preto.

Trata-se de um uso indevido da estrutura pública para fins privados, o que configura, em tese, improbidade administrativa, desvio de função e um profundo desrespeito à população que paga os salários desses servidores e dos próprios parlamentares. A denúncia de uso de nota fria, de empresa legal mas que não prestou os serviços, só corrobora a denúncia.

Longe de ser fato único. É mais um exemplo de prática de conhecimento geral, mas que há muito deixou de causar indignação. Já é parte do sistema, sendo ocasionalmente retratada em parcas matérias jornalísticas – o tema também parece não ser importante para boa parte da imprensa.

Mas, tão preocupante quanto a prática — que precisa ser apurada com rigor — é a previsível reação da Câmara: o silêncio. A mesma omissão cúmplice que já se viu nos casos envolvendo o vereador Sérgio Zerbinato (PSDB), cuja ex-assessora denunciou ter sido obrigada a repassar parte do salário para a parlamentar e de Duda Hidalgo (PT), acusada de usar carro do Legislativo para uso partidário particular.

Nenhuma punição. Nenhuma comissão processante que tenha prosperado. Nenhuma demonstração de que o Legislativo local leva a sério o zelo com o dinheiro público. A Câmara transformou-se em uma espécie de incubadora de escândalos abafados, protegendo seus pares com a conveniente cortina da "autonomia do mandato", que, ao invés de fortalecer a democracia, a enfraquece.

Diante da inércia do Legislativo, é imperativo que o Ministério Público assuma seu papel com o rigor que o caso exige. Não se trata de mais um episódio isolado, mas de uma sequência de fatos que demonstram o uso recorrente da máquina pública para fins eleitorais ou pessoais, sem qualquer consequência institucional. A leniência da Câmara diante de seus próprios escândalos mina a credibilidade do parlamento e rebaixa a política a um jogo de conivência e impunidade.

O MP, que já deveria ter sido mais assertivo nos casos anteriores, agora tem uma nova oportunidade — ou obrigação — de interromper esse ciclo de autoproteção corporativa. É preciso instaurar investigação imediata, solicitar imagens, depoimentos e comprovar se, de fato, servidores pagos com dinheiro público estavam atuando como cabos eleitorais disfarçados. Se confirmado o ilícito, que o vereador responda judicial e administrativamente, inclusive com pedido de perda do mandato. A Justiça precisa dar uma resposta que o Legislativo se recusa a dar.

Ao cidadão, resta mais uma vez o papel de espectador indignado. Mas esse papel já não basta. O escândalo que agora envolve Brando Veiga deve ser a gota d’água para que a sociedade civil pressione por transparência, por respostas e por reformas que inibam o uso da máquina pública como extensão de projetos eleitorais pessoais.

A política local não pode continuar sendo tratada como zona de conforto para práticas que beiram — ou ultrapassam — a ilegalidade. A democracia exige vigilância, e a ética no serviço público não pode ser opcional