Igrejas de grande porte redefinem bairros nobres de Ribeirão e provocam debates sobre impacto urbano e social

Igrejas investem no Recreio das Acácias e Jardim Canadá para atrais fiéis da elite e turistas religiosos; moradores temem mudança de perfil e impacto ambiental

, atualizado

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Acima contrução da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, abaixo Igreja Evangelica Campos Eliseos no Recrei das Acácias
Acima contrução da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, abaixo Igreja Evangelica Campos Eliseos no Recrei das Acácias - Foto: Foto: Ângelo Lopes
Acima contrução da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, abaixo Igreja Evangelica Campos Eliseos no Recrei das Acácias - Foto: Foto: Ângelo Lopes

Ribeirão Preto está passando por uma profunda transformação em seu panorama urbano e religioso com a instalação de grandes templos evangélicos nas áreas nobres da cidade, especialmente nos bairros Recreio das Acácias e Jardim Canadá. Tradicionalmente reconhecidos por sua excelente qualidade de vida, infraestrutura robusta e perfil residencial de alto padrão, esses bairros agora se tornam palco de projetos arquitetônicos de grande escala, que superam em muito as dimensões das igrejas comunitárias tradicionais.


Essas construções monumentais são planejadas para acolher milhares de fiéis diariamente, atendendo não apenas às demandas locais, mas também fomentando o turismo religioso, uma atividade que atrai visitantes e gera impacto econômico relevante para a cidade. Essa expansão das igrejas evangélicas em áreas nobres simboliza um fenômeno social e econômico inédito em Ribeirão Preto, que reflete a crescente influência da fé associada ao poder aquisitivo e redesenha o uso do espaço urbano, anteriormente dominado por residências e áreas comerciais.


Entretanto, essa mudança significativa não ocorre sem controvérsias. Moradores das regiões afetadas manifestam preocupações relacionadas a vários aspectos, incluindo a alteração do perfil imobiliário e social dos bairros, o aumento considerável do tráfego de veículos e os impactos ambientais decorrentes das obras e do funcionamento das novas estruturas religiosas. Além disso, questões de mobilidade urbana vêm gerando insegurança, em especial devido à infraestrutura viária limitada em algumas ruas, como no caso da Rua Flávio Canesin, na qual as obras têm ocasionado bloqueios e congestionamentos que afetam diretamente a rotina local e podem até comprometer a resposta em emergências.


Esse cenário evidencia um dilema entre o desenvolvimento religioso e econômico promovido pelas igrejas e a preservação da qualidade de vida dos moradores residentes, tornando-se um importante tópico de debate público. Assim, Ribeirão Preto experimenta uma mudança profunda que traduz a complexa interface entre crescimento urbano, fé, poder econômico e sustentabilidade social.


Igreja Missionária dos Campos Elíseos em Recreio das Acácias: presença marcante em um bairro residencial
No bairro Recreio das Acácias, a construção da nova sede da Igreja Missionária dos Campos Elíseos traz à tona uma mudança de paradigma. Situada numa área residencial de alta valorização, essa obra de aproximadamente 4.080 metros quadrados, com mais de 3.300 metros de área construída, foi projetada para acolher até 500 pessoas por evento, número que respeita limitações impostas pelo Corpo de Bombeiros, vetor este que dispensa apresentação de Laudo de Impacto de Vizinhança, denunciado por moradores e negado pelo pastor da igreja. O MPE-SP apura o caso junto a Secretaria Municipal do Planejamento.


A localização na Rua Flávio Canesin, uma via parcialmente estreita e onde há um trecho de metragem de mão única à beira de uma reserva ambiental protegida, agrava as preocupações da população local. A chegada de milhares de fiéis acarreta aumento significativo no tráfego, requerendo adaptações urbanísticas que ainda não foram completamente definidas. O projeto ambiciona atrair um público mais seletivo, formado por moradores locais e visitantes da elite urbana de Ribeirão Preto, além de funcionar como um polo de culto que valoriza a modernidade e a imposição arquitetônica. A igreja tem hoje mais de 6 mil fiéis, número muito diferente do vetor de 500 pessoas apontado no alvará de construção da obra.
Mais do que um espaço de oração, essa sede pretende ser um centro comunitário para eventos atendimento social de grande porte, o que pode exacerbar os desafios relacionados à logística de estacionamento, segurança e preservação da área de mata adjacente. O clima de apreensão dos moradores decorre da percepção de que o aumento súbito do fluxo pode comprometer não apenas a tranquilidade, mas também a mobilidade em uma região residencial consolidada.


Templo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias no Jardim Canadá: um marco para fé e turismo religioso
No Jardim Canadá, considerado um dos bairros mais nobres e tradicionalmente residencial da zona sul de Ribeirão Preto, assiste-se à materialização do ambicioso projeto do templo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Com terreno de quase 3 mil metros quadrados que abrange um quarteirão inteiro, a obra prevê gerar até 3 mil empregos diretos e indiretos durante o período estimado de construção, entre 2 anos e meio e 3 anos.


Quando concluído, esse templo atenderá 35 cidades da região, beneficiando diretamente cerca de 30 mil fiéis, com uma movimentação diária estimada em 1,5 mil pessoas. Além de cumprir um papel religioso de aproximação e atendimento da comunidade, o templo está posicionado para se tornar um polo de turismo religioso, atraindo visitantes não só do município, mas de outras regiões que, até então, precisavam viajar até Campinas ou São Paulo para participar de eventos e cerimônias.


Esse investimento robusto reflete o crescimento da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, cuja instalação em áreas nobres sinaliza a consolidação de seu público de alta renda e a integração desses devotos ao circuito da fé e lazer na região. A obra incorpora, assim, um novo modelo de templo que alia dimensão física imponente e serviços complementares, buscando garantir uma experiência espiritual diferenciada para um público crescente e exigente.


Impactos nos bairros e a reação dos moradores: um choque entre desenvolvimento e qualidade de vida
A construção desses grandes templos não ocorre sem controvérsia. Em Recreio das Acácias, os moradores reportam temores concretos relacionados ao aumento do tráfego, sobretudo pela Rua Flávio Canesin, que possui limitações físicas e ambientais significativas. O síndico Carlos Estevam chamou a atenção para os riscos em situações de emergência, pois engarrafamentos anteriores já causaram transtornos graves, incluindo bloqueios que dificultaram a passagem rápida de ambulâncias e viaturas policiais.


No Jardim Canadá, a população relata impactos que extrapolam o trânsito. A bordo das críticas estão relatos de abalos estruturais nas casas, causados pelo intenso movimento de caminhões pesados durante a obra, além de sujeira persistente, falta constante de água e o aumento do tráfego em vias antes pacatas. O sentimento de insegurança e a perda do tradicional silêncio do bairro são temas frequentes nas redes sociais e nas reuniões comunitárias. Essas manifestações refletem uma evidente tensão entre o desejo de crescimento econômico e religioso e a defesa da qualidade de vida urbana. Se, por um lado, as igrejas promovem geração de empregos, dinamizam o comércio local e ampliam a oferta cultural e turística, por outro, trazem desafios que exigirão diálogo aberto entre poder público, líderes religiosos e moradores para garantir a sustentabilidade social e ambiental da região.


Dá Redação:
A migração das igrejas para a zona sul e áreas nobres de Ribeirão Preto evidencia um cenário novo e complexo, onde religião, economia e urbanismo se entrelaçam. As obras de grande porte no Recreio das Acácias e Jardim Canadá representam mais que a construção de templos: simbolizam uma transformação no perfil da religiosidade, na ocupação do solo e na dinâmica comunitária dessas regiões. O futuro desses bairros dependerá da capacidade de conciliar crescimento com as legítimas demandas dos moradores e do meio ambiente, fazendo com que fé e qualidade de vida possam caminhar lado a lado.