Construção de igreja gera polêmica no Recreio das Acácias

No meio da pendenga, moradores, fieis, vereadores, Ministério Público e até o prefeito parecem não falar a mesma língua

, atualizado

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Obra polêmica foi parar no Ministério Público
Obra polêmica foi parar no Ministério Público - Foto: Jornal Ribeirão
Obra polêmica foi parar no Ministério Público - Foto: Jornal Ribeirão

A construção da nova sede da Igreja Missionária dos Campos Elíseos, na Rua Flávio Canesin, bairro Recreio das Acácias, tem causado preocupação entre moradores da região. A via, que não é totalmente duplicada, possui um trecho de cerca de 300 metros em mão única, margeado por uma mata reconhecida como reserva ambiental. No meio da pendenga, moradores, fieis, vereadores, Ministério Público e até o prefeito municipal parecem não falar a mesma língua quando o assunto é a análise do impacto que a construção trará no tráfego de veículos.

Essa rua é a principal “artéria” para o fluxo de veículos que dão acesso a oito condomínios do complexo Recanto das Árvores, além de outros 14 condomínios próximos, a maioria já concluídos. Segundo moradores, a alternativa pela Rodovia Antônio Machado Santana, no km 2,3, sentido Araraquara, é inviável para o tráfego que vem da cidade. Para usar essa rota, motoristas vindos pela Avenida Maurílio Biagi ou pela Rodovia Antônio Duarte Nogueira precisam percorrer 19,5 km (ida e volta) até a entrada da via.

O problema ganhou destaque após um vídeo do pastor Paulo Sérgio Silva, líder da igreja, convocando fiéis para conhecer e abençoar a obra durante a semana. O fluxo intenso gerou congestionamento que se estendeu por quase dois quilômetros, até a Avenida Celso Charuri, bloqueando o acesso dos moradores. No vídeo, o pastor fala em “um ambiente para mais de 1,7 mil pessoas adorarem juntas” e que “centenas de carros podem parar aqui nesse estacionamento”. A postagem foi removida após polêmica, mas um síndico registrou o vídeo em cartório, por meio de ata notarial.

Documentos oficiais obtidos pela reportagem indicam, entretanto, que a área total da obra é de 4.079,89 m², com 3.346,53 m² de área construída. O alvará foi emitido com ressalvas, limitando a capacidade máxima a 500 pessoas, conforme o laudo AVCB do Corpo de Bombeiros. Esse limite dispensa a exigência de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), conforme a legislação. A entrada oficial da obra está registrada na Rua Tereza Nomura Yamada, 197.

APURAÇÃO

Um servidor da prefeitura, que preferiu não se identificar, mas acompanha o caso desde o início, revelou à reportagem que o projeto inicial previa capacidade para 1,7 mil pessoas, mas não passou pela Secretaria de Planejamento. O alvará foi negado devido ao impacto no trânsito e na vizinhança.

Segundo a fonte, a Casa Civil, no fim do governo Duarte Nogueira, foi sugerido à igreja a redução da capacidade para 500 pessoas para evitar a exigência do EIV, permitindo o início da obra. O próximo governo ficaria responsável pela duplicação da via.

MP no caso

Com a polêmica, a União dos Síndicos do Recanto das Árvores acionou o Ministério Público de São Paulo, que solicitou providências à Prefeitura e à Secretaria de Planejamento. O pedido tem como base preocupações sobre o trânsito na principal via de acesso ao Recreio das Acácias.

Os síndicos pediram informações sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), obrigatório para avaliar efeitos de novos empreendimentos, conforme a Lei Federal 10.257/2001, Decreto Municipal nº 273/2019 e Lei Complementar nº 3.175/2023. No entanto, a Comissão de Controle Urbanístico (CCU) informou que não exigirá o estudo, alegando que o empreendimento terá população máxima de 500 pessoas, o que para eles dispensaria o EIV.

Os síndicos contestam essa decisão, alegando que as informações oficiais divergem das divulgadas nas redes sociais da igreja. Por isso, pedem que a Prefeitura avalie embargar a obra até o esclarecimento dos fatos, especialmente quanto à capacidade real do local.

Em entrevista, pastor se desmente

Em entrevista, o pastor Paulo Sérgio negou que a obra atenderá 1.700 fiéis, embora o espaço comporte mais de duas mil pessoas. Ele afirmou que o projeto foi ajustado para estar dentro das normas legais e que os espaços internos serão otimizados para atividades como espaço kids, encontros de adolescentes e reuniões.

“A ampliação do público para além das 500 pessoas na nova sede é uma questão futura”, disse ele, que reconheceu, entretanto, que a igreja conta com 4 mil fiéis.

Questionado sobre o sentido de construir uma sede com capacidade máxima para 500 pessoas, sendo que a atual comporta 900 sentadas, o pastor afirmou que a escolha tem objetivos geográficos. Sobre o congestionamento gerado no dia da visita, classificou como um episódio atípico e garantiu que haverá controle do público nos quatro cultos diários, respeitando o limite máximo.

O pastor também afirmou que a igreja pressionará autoridades para a duplicação da via, o que, segundo ele, beneficiaria moradores e condomínios — uma proposta que, entretanto, divide opiniões, já que muitos moradores defendem a preservação da mata.
O pastor informou que participará de reunião com síndicos no Condomínio Laranjeiras, no próximo dia 15.

Secretaria do Meio Ambiente fala em preservação da mata

A Secretaria de Meio Ambiente ressaltou a necessidade de estudo técnico aprofundado para o alargamento da Rua Flávio Canesin, devido à retirada parcial da cobertura vegetal da reserva ambiental adjacente.

As autoridades destacam que as intervenções devem equilibrar mobilidade urbana e preservação ambiental, buscando garantir o desenvolvimento da cidade sem comprometer a integridade do entorno.

Para síndico, obra prejudica moradores

Carlos Estevam, síndico do Paineiras, relatou a preocupação dos moradores sobre o impacto no trânsito pela Rua Flávio Canesin, sentimento compartilhado por outros síndicos do Recanto das Árvores.
Ele lembrou que, em 18/06, um evento no local causou bloqueio da via e engarrafamento até a Avenida Celso Charuri, prejudicando o deslocamento dos moradores. “Imagine se tivesse uma emergência e uma ambulância ou viatura policial precisasse chegar rapidamente a um dos condomínios. A demora pode custar vidas”, alertou.

Estevam ressaltou que ninguém é contra a construção, que poderia ser uma escola ou espaço de eventos, mas que o Estudo de Impacto deve ser feito conforme a lei, e que eventuais intervenções viárias precisam ser executadas antes da inauguração.

Tema movimentou cen política da cidade

Na última sessão da Câmara, o pastor Paulo Sérgio confrontou os vereadores André Rodini (Novo) e Danilo Scochi (MDB), após seus nomes terem sido vinculados a vídeos contrários à obra. Seguidores passaram a acusar os parlamentares de serem contra evangélicos.

Rodini confirmou que recebeu moradores das Acácias e buscou informações sobre o laudo de impacto de vizinhança, ressaltando que caso o projeto preveja 1,7 mil pessoas, as regras devem ser observadas. Scochi afirmou que a situação foi levada a seu gabinete e que seu papel é analisar todos os contextos, sem ser contra evangélicos.

O prefeito Ricardo Silva e a primeira-dama Carolina Trebi Penatti Silva visitaram a igreja em 9 de julho. Em discurso aos fiéis, o prefeito declarou: “Só eu posso parar a obra e esqueçam, não irá acontecer.”

Prefeito e Secretaria de Planejamento respondem por nota

A Prefeitura esclareceu que a fala do prefeito não tem relação direta com processos de aprovação nas secretarias competentes. A declaração foi resposta a um abaixo-assinado que pedia a paralisação da obra. O prefeito destacou que um abaixo-assinado não tem efeito vinculante sobre decisões administrativas e que até o momento não existe nenhum pedido para que a obra seja embargada por parte do MP.
Segundo Ricardo, a fala dele foi no sentido de que a obra não será interrompida sem que ele seja informado, o que não ocorreu até o momento.

Já a Secretaria de Planejamento informou que não emite notas sobre procedimentos em andamento ou finalizados. Os interessados podem acompanhar os processos por meio dos canais oficiais. “O governo atual não tomou, nem tomará, nenhuma atitude que prejudique ou interfira nos processos técnicos de aprovação”, disse a nota.