Câmara de Ribeirão aprova cercas em praças para afastar pessoas em situação de rua

Projeto aprovado quer cercar 13 praças; consumo de álcool e tabaco em adegas também é proibido

, atualizado

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Praça cercada
Praça cercada - Foto: Foto web
Praça cercada - Foto: Foto web

A Câmara Municipal de Ribeirão Preto aprovou, por 14 votos a favor, uma indicação para cercar 13 praças públicas da cidade com alambrados ou gradis, como forma de evitar o uso desses espaços para tráfico de drogas e a permanência de pessoas em situação de rua. A proposta, de autoria do vereador Junin Dêdê (PL), alcança áreas como as praças Pedro Biagi e São Matheus, localizadas na Zona Norte. A Secretaria Municipal de Infraestrutura será responsável pela manutenção da iluminação desses locais, reforçando a segurança pública.


Na semana anterior, os vereadores também aprovaram um projeto que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas e produtos do tabaco dentro de adegas e tabacarias, alegando a intenção de combater atividades criminosas específicas nesses estabelecimentos. A proposta, de autoria do Delegado Martinez (MDB), é alvo de críticas por sua seletividade, já que bares e cervejarias não foram incluídos na medida.


Fontes da Câmara municipal informaram que muitos vereadores esperam que o prefeito Ricardo Silva (PSD) mantenha silêncio sobre os projetos, permitindo que eles retornem à Casa de Leis para sanção direta pela mesa diretora. Segundo o regimento interno, com o silêncio do chefe do Executivo, o presidente da Câmara pode sancionar as matérias, fazendo com que as normas entrem em vigor sem intervenção direta do prefeito.


A apropriação desses projetos tem sido vista como parte de uma cultura higienista na política local, que tradicionalmente busca retirar pessoas consideradas indesejadas dos espaços públicos, principalmente moradores em situação de rua e pedintes. A decisão de cercar as praças reforça essa linha de ação ao tentar "esconder" esses cidadãos de áreas centrais da cidade sob o pretexto de segurança e controle social.


Essa abordagem não é nova na Câmara de Ribeirão Preto. Em anos recentes, ex-vereadores como Elizeu Rocha têm proposto medidas para afastar os pobres das regiões centrais, como o indicação para o Executivo para proibir a doação direta de alimentos nas ruas, sugerindo a criação de locais específicos para a distribuição. Tal posicionamento causou debates públicos, incluindo uma manifestação do famoso Padre Júlio Lancellotti, da capital São Paulo, que criticou a proposta de "espaços especializados para pobres" como demagógica e segregacionista.


O debate em Ribeirão Preto se insere em um contexto maior de políticas públicas que enfrentam a difícil questão da vulnerabilidade social sob uma ótica que, muitas vezes, privilegia o controle dos espaços urbanos em detrimento da garantia de direitos e da inclusão social.


2021
•Início da discussão para limitar a atividade dos food-trucks na Praça da Bicicleta (Zona Sul), sem debate apropriado pela Prefeitura e base na Câmara.
2022
•Carnaval de Rua proibido, liberando apenas carnavais de salão em clubs fechados, com voto favorável de vereadores, entre eles Elizeu Rocha, Gláucia Berenice e Brando Veiga.
•Proposta da Secretaria da Assistência Social para proibir esmolas a moradores de rua, incentivando denúncias à Secretaria; vereador Elizeu Rocha lidera indicações consideradas aprofóbicas para afastar pobres dos centros.
•Requerimento assinado pelo vereador Jean Corauci para retirar cinco pessoas em situação de rua da Praça na Rua Niterói, Lagoinha.
•Vereador Elizeu Rocha propõe que o Executivo determine locais específicos para distribuição de refeições a pessoas vulneráveis.
•Vereador Mauricio Gasparini quer transferir a Fundação Casa do Jardim Paulista para a periferia.
2023
•Câmara aprova indicação para cercar 13 praças públicas para impedir o uso por traficantes e pessoas desocupadas, proposta do vereador Junin Dêdê (PL).
•Aprovação de projeto proibindo consumo de bebidas alcoólicas e tabaco em adegas e tabacarias, de autoria do Delegado Martinez (MDB).
•Vereadora Gláucia Berenice, solicitou que autoridades da prefeitura retirar pessoas que estavam em área próxima a um condomínio

Perspectiva Filosófica do Autor 

Sob a perspectiva funcionalista de Herbert Spencer e Francis Galton, as ações da Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto podem ser entendidas como tentativas de preservar a ordem social e promover a “harmonia” no espaço urbano, ainda que de forma excludente. Spencer, ao comparar a sociedade a um organismo, defendia que cada parte deve exercer sua função para a manutenção do equilíbrio social. Nesse contexto, a remoção de pessoas em situação de rua e a limitação do acesso a espaços públicos, como praças e áreas de comércio informal (food-trucks), seriam medidas para assegurar o funcionamento “adequado” da sociedade, protegendo os interesses da maioria e evitando o que consideram “desordem”.

Francis Galton, por sua vez, com sua visão de seleção dos mais aptos, influenciou ideias de distinção social baseada na capacidade e utilidade, que podem ser relacionadas às propostas de afastar grupos considerados “indesejáveis” ou “desocupados” dos centros urbanos, deslocando-os para periferias ou áreas específicas. As ações de vereadores para cercar praças, proibir atividades populares como o Carnaval de Rua e desencorajar a doação de esmolas refletem uma lógica higienista e seletiva, buscando “melhorar” a cidade ao custo da exclusão social.

Porém, essas medidas evidenciam um padrão de exclusão dos mais vulneráveis, ignorando as desigualdades estruturais e necessidades essenciais desses grupos, colocando em xeque a função social das instituições públicas e sua responsabilidade com a justiça social. Assim, a aplicação prática desse funcionalismo traduz-se em políticas que mantêm uma ordem social baseada na exclusão, ao invés da inclusão e solidariedade, levantando debates sobre o papel do Estado e da sociedade na proteção dos direitos humanos e na promoção do bem-estar coletivo