Marina Silva lota principais palcos da Festa Literária de Paraty
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Ao participar da 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, criticou o PL do Licenciamento e compartilhou memórias da sua trajetória em defesa da floresta.
Na noite desta sexta-feira (1°), a mesa O Lugar da Floresta deixou lotados os principais palcos da Flip. No Auditório da Matriz, a ministra foi recebida com longos aplausos pelo público em pé. No Auditório da Praça, onde houve transmissão ao vivo pelo telão, ela foi aplaudida diversas vezes durante sua participação.
O licenciamento ambiental é a principal vértebra da proteção ambiental no Brasil. Não consigo ver como a gente conseguirá alcançar as metas de redução de emissão de CO se o licenciamento for mutilado e desfigurado, como está sendo no PL [do Licenciamento], na forma como foi aprovado no Congresso, lamentou a ministra sobre o Projeto de Lei (PL) 2.159/21, que trata das regras do licenciamento ambiental e vem sendo chamado de PL da Devastação por ambientalistas.
Enviado para sanção presidencial, o projeto de lei simplifica os trâmites processuais, com a criação de novos tipos de licenças ambientais, e a redução dos prazos de análise.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até o próximo dia 8 para sancionar ou vetar o texto final que a Câmara dos Deputados aprovou no último dia 17.
Não consigo imaginar como nós vamos zerar desmatamento em 2030. Já conseguimos bons resultados, reduzimos, nesses dois anos e meio, o desmatamento em 46% na Amazônia, 25% no Cerrado, 77% no Pantanal, e uma redução na média global no país de 32%. Não consigo ver como a gente vai conseguir continuar alcançando esses resultados se o PL for mantido nas condições em que foi aprovado, explicou.
Um dos dispositivos do PL aprovado, alerta Marina, estabelece que cada município e cada estado poderá estabelecer os regramentos e as tipologias do licenciamento.
Vocês acham que a natureza muda porque mudou a ideologia do prefeito ou porque aumentou a ambição dos investidores? As leis da natureza não mudam em função dos nossos interesses. E tecnicamente, cientificamente, não tem como fazer uma tipologia diferente.
O rio que é contaminado com metal pesado em Minas Gerais é o mesmo que vai ser contaminado no Espírito Santo, exemplificou a ministra.
Para ela não bastam apenas vetos, é preciso que haja uma medida para substituir as mudanças na legislação. As possibilidades, segundo Marina, seriam uma medida provisória ou um projeto de lei.
A ministra defendeu que o desenvolvimento econômico do país pode acontecer sem a destruição dos biomas.
Quando você mostra que o desmatamento caiu 46%, o agronegócio cresceu 15%, a renda per capita aumentou 11% e o emprego aumentou para uma situação de quase pleno emprego, qual é a conclusão que você chega? Não precisa destruir para crescer e se desenvolver.
Literatura
Questionada pela mediadora da mesa, a jornalista Aline Midlej, sobre a influência da literatura em sua trajetória e para a consciência ambiental coletiva, Marina lembrou de sua avó: mulher analfabeta que tinha inteligência privilegiada, contou a ministra.
Meu pai sabia ler, fez até o terceiro ano [primário] antes de ir para o Acre como soldado da borracha. Ele lia um folheto de literatura de cordel duas vezes e minha avó decorava. Ela sabia um monte de coisa decorada.
E ela cantava para mim:
'Marina era uma moça muito rica e educada,
o seu pai era um barão de uma família abastada,
porém ela amava Alonso que não possuía nada.' Eu me sentia a própria Marina, sabe? A literatura de cordel trouxe para mim um mundo lúdico e me foi de grande estímulo. Eu sempre brinco, eu fui analfabeta até os 16 anos, mas eu era PhD em saber narrativo, disse a ministra.
Ela revelou ainda uma das histórias da literatura de cordel que fez parte desse incentivo, o duelo entre dois cantadores: um letrado da cidade e um sertanejo da Caatinga. São ele Romano e Inácio da Catingueira. O sertanejo começa ganhando o duelo, mas em determinado momento seu oponente muda o mote da cantoria.
Quando vê que vai perder, Romano muda para falar do campo da ciência. [Inácio] diz se desse o nó em martelo, me veria desatá-lo, mas como deu em ciência, cante só que eu me calo. E baixava a cabeça e perdia o duelo e o sertão todo ficava muito indignado porque tinha havido uma trapaça. E eu chorava e, se vocês perceberam, eu ainda me emociono até hoje porque o Inácio perdeu, contou.
E aí eu dizia: vovó, por que que ele perdeu? E ela dizia: minha filha, era porque ele é analfabeto. E eu dizia: eu não quero ser analfabeta, finalizou com a voz embargada.