Cinema ambiental ganha visibilidade em festival de Bonito
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Uma das vozes mais inspiradoras e poéticas de defesa dos povos indígenas e da floresta amazônica surge na grande tela. Observando o alto das árvores e do céu, ele começa a falar sobre a ancestralidade Yanomami, os impactos provocados pelas invasões das terras indígenas, a preservação do meio ambiente e o futuro da humanidade.
O depoimento do xamã e ativista Davi Kopenawa Yanomami no filme Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta, dirigido por Tainá de Luccas e Marco Altberg parece ultrapassar a tela do cinema e atingir o público, que se comove com suas palavras.
Mais do que um documentário, o filme apresentado no último sábado (26) no Festival de Cinema Sul-Americano (Cinesur), evento que acontece na cidade de Bonito (MS), é um grande manifesto, propondo reflexões poéticas e políticas sobre os saberes ancestrais, a crise ambiental e a resistência indígena.
Ele [Davi Kopenawa Yanomami] é um manifesto vivo porque ele traz uma cultura originária ancestral e espiritual. Não é só ele, mas ele teve a possibilidade e a força de traduzir isso. Temos esses pensadores indígenas que são as pessoas mais clarividentes hoje. E são antenas para o mundo, destacou o diretor, em entrevista à Agência Brasil.
Altberg vem trabalhando com os povos originários há muito tempo e já produziu uma trilogia sobre os pensadores indígenas. Além de Kopenawa, ele já dedicou filmes a Ailton Krenak e o Cacique Raoni. E pretendo seguir, quando eu tiver oportunidade, a dar voz a esses pensadores, afirmou.
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Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta é apenas um dos diversos filmes sul-americanos apresentados neste ano na Mostra Ambiental do Cinesur. Na data em que é celebrada o Dia Mundial da Conservação da Natureza (28), a mostra fala sobre a urgência das questões ecológicas contemporâneas, especialmente aquelas que afetam diretamente as comunidades e ecossistemas sul-americanos.
De forma geral, esses filmes mostram o panorama do que a gente vive hoje nas questões ambientais. Eu destacaria duas coisas neles que são mais fortes: uma é a questão da água, como as enchentes do Rio Grande do Sul. E a gente tem também o oposto disso, que é a seca no Pantanal, explicou Elis Regina Nogueira, curadora da Mostra Ambiental. Mas também temos filmes que denunciam o que está acontecendo [no mundo] e filmes que trazem esperança, acrescentou.
Segundo a curadora, os filmes da Mostra Ambiental retratam a destruição, a crise ambiental e a urgência sobre esse tema. Por outro lado, diz ela, há filmes que também apresentam algumas soluções para esses problemas, como o que retrata Kopenawa. Acho que isso mostra um equilíbrio, uma reflexão muito crítica sobre o que está acontecendo e também oferece exemplos de muita luta e resiliência, como o exemplo que a gente deveria seguir dos povos originários.
Apesar de apresentar uma diversidade de assuntos e de países em sua curadoria, há temas que se mostram muito presentes nos filmes que estão sendo exibidos pela Mostra Ambiental do Cinesur. O que a gente vê é que há sempre a mesma coisa: mineração, exploração de petróleo, crise hídrica e contaminação pelo agronegócio, disse a curadora.
Cidadania é ambiental
Mais do que uma discussão sobre crise climática, o cinema ambiental também é fundamental para produzir reflexões sobre cidadania, destaca o professor de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Ikeda, que também é cineasta, curador e crítico de cinema.
O capitalismo é muito predatório. Ele quer gerar bens e produzir capital e a gente está vendo que esse modelo está se esgotando e vai esgotar o meio ambiente. As pessoas às vezes confundem o cinema ambiental meramente como um cinema para plantar árvores e conservar a natureza. Mas isso é uma face mais direta do cinema ambiental. Eu vejo o cinema ambiental como fundamental sobre a ideia dos modos de ser, em uma perspectiva mais holística, disse o professor.
Nestas formas de ser, esclareceu Ikeda, estaria não só a forma de estarmos no mundo, mas também de conexão com a natureza e de percepção de tempo e de espaço.
A gente vive em um mundo cada vez mais acelerado. Esse capitalismo é predatório não só em recursos naturais, mas também nos nossos modos de ser, reforçou.
E é isso que é mostrado no documentário Rua do Pescador Nº 6, dirigido por Bárbara Paz e que mostra os impactos das enchentes históricas no Rio Grande do Sul. Centrado na comunidade da Ilha da Pintada, em Porto Alegre, o filme apresenta não só imagens que mostram a força dessa natureza em destruição, mas também o impacto que as comunidades e pessoas sofrem como consequência das tragédias climáticas. É um filme forte, sensorial e muito urgente, um ensaio sobre a tragédia, descreveu a diretora a jornalistas durante o Cinesur.