Santa Lydia descumpre lei das fundações ao publicar balanço de 2024

Demonstrações financeiras foram divulgadas sem pareceres dos conselhos e de auditores independentes

, atualizado

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Fachada do hospital Santa Lydia, uma das unidades de saúde geridas pela fundação
Fachada do hospital Santa Lydia, uma das unidades de saúde geridas pela fundação - Foto: Divulgação
Fachada do hospital Santa Lydia, uma das unidades de saúde geridas pela fundação - Foto: Divulgação

A Fundação Hospital Santa Lydia, responsável pela gestão de um hospital e das UPAs (Unidade de Pronto Atendimento) de Ribeirão Preto descumpriu a Lei nº 6.404/76 ao publicar, sem os pareceres do Conselho Curador e do Conselho fiscal e de uma banca de auditores independentes, o balanço referente ao exercício financeiro de 2024. A irregularidade colocou a atual e a antiga gestão da entidade na mira do Ministério Público, que instaurou um procedimento para investigar a regularidade das contas.

As demonstrações financeiras foram divulgadas no Diário Oficial do Município no final de maio e apontam um déficit operacional de R$ 2,3 milhões. O “prejuízo” é menor do que o registrado em 2023, quando a diferença entre receitas e despesas ficou negativa em R$ 6,1 milhões.

Procurada, a assessoria de imprensa da fundação não explicou a publicação sem os pareceres, mas informou que o balanço será republicado.

“A atual gestão está comprometida com a garantia da integridade das informações disponibilizadas aos munícipes, razão pela qual serão novamente publicadas as demonstrações contábeis referentes ao exercício de 2024, com a inclusão das notas explicativas e dos pareceres da Auditoria Independente e do Conselho Fiscal. Veja-se que tais informações são públicas e não foram disponibilizadas anteriormente em publicação oficial somente por sua extensão. Contudo, não houve e nem haverá recusa em fornecê-las a quem deseje consulta-las”, diz a nota encaminhada ao Jornal Ribeirão.

A Santa Lydia ressaltou, contudo, que os números estão “sob revisão”. “Cabe pontuar que após receber o Relatório de Auditoria, a Diretoria Executiva tem se dedicado à sua minuciosa análise, com o apoio das Gerências e da equipe de Auditoria Interna. Ademais, acatando a recomendação do Conselho Fiscal, entendeu-se pela necessidade de promoção de uma auditoria complementar, capaz de reexaminar todos registros já escrutinados pela Staff Auditoria e Assessoria”, conclui o texto.

O ex-diretor da fundação, Marcelo Cesar Carboneri, defendeu a regularidade das demonstrações financeiras deixadas.

“As demonstrações financeiras, pareceres e notas explicativas foram emitidos e enviados às autoridades, com eventuais ausências de anexos por questões operacionais. Apesar de limitações em sistemas herdados e recursos, a transparência e rastreabilidade foram mantidas, atendendo às recomendações de auditoria com planos de ação. O déficit patrimonial é resultado de fatores históricos, financiamento insuficiente e demandas crescentes, exigindo uma atuação conjunta para reestruturação. A gestão anterior reforça seu compromisso com a legalidade, transparência e responsabilidade fiscal, destacando a aprovação de contas pelos órgãos reguladores e à disposição para esclarecimentos adicionais”, afirmou.

O ex-prefeito Duarte Nogueira (PSDB), responsável pela indicação de Carbonieri, disse que confia nas instituições de controle para análise da gestão.

“Diante das informações divulgadas, a gestão reitera sua confiança na atuação do Poder Judiciário e ressalta que qualquer eventual irregularidade será devidamente apurada pelas instâncias competentes. Reforçamos nosso compromisso com a ética na gestão pública e com o interesse coletivo”, concluiu.

O que diz o balanço incompleto

O balanço patrimonial e a demonstração do resultado referentes aos anos de 2023 e 2024 da Fundação Hospital Santa Lydia, instituição de saúde atuante em Ribeirão Preto, apontam avanços em poucos indicadores, mas também evidenciam desafios estruturais graves. Os dados foram extraídos dos Balanços Patrimoniais oficiais do hospital, publicados no DOM ainda aguardando a validação de nova auditoria independente externa.

Segundo o documento, houve redução do passivo circulante, mas passivo total ainda alto; O passivo circulante, que representa as obrigações de curto prazo, diminuiu em cerca de R$ 3 milhões, de R$ 53,9 milhões para R$ 50,9 milhões. Ainda assim, esse valor demonstra forte pressão de dívidas e compromissos financeiros imediatos, o que pode restringir a liquidez da instituição.

O passivo não circulante, ou seja, dívidas e obrigações de longo prazo, mostra estabilidade relativa, indicando que a instituição não conseguiu reduzir substancialmente seu endividamento mais estrutural.
Patrimônio líquido negativo e déficit em operação. O que mais chama atenção no balanço financeiro da Fundação Santa Lydia é o patrimônio líquido, que permanece negativado chegando a quase R$ 9,6milhões em 2024, piorando em relação a 2023 (R$ 7,1 milhões negativos). Esse quadro significa que o passivo supera o ativo, colocando a fundação em uma situação de insolvência contábil, que pode colocar em risco sua sustentabilidade a médio prazo.

MP decide investigar publicação

Em nota ao Jornal Ribeirão, o promotor de justiça do Patrimônio Público e Social, Alexandre Padilha, afirmou que vai apurar a publicação incompleta do balanço. O Ministério Público tem atribuição legal de fiscalizar as fundações municipais.

As contas apresentadas geram a instauração de um procedimento administrativo próprio, sendo submetidas à análise dos técnicos do CAEX, órgão do Ministério Público destinado a dar apoio técnico aos membros do Ministério Público, mediante avaliação de contadores. Havendo parecer favorável do CAEX, as contas são aprovadas ou aprovadas com ressalvas. Em caso de parecer desfavorável, as contas podem ser reprovadas a depender da natureza das irregularidades apontadas, desde que sejam substanciais e que comprometam as contas.

As contas de 2023 da Fundação Santa Lydia já foram analisadas e aprovadas. As contas relativas ao ano de 2024 ainda serão objeto de análise.

“Será instaurado um procedimento investigativo, sob a modalidade de representação/notícia de fato, para que a Fundação Santa Lydia possa se manifestar a respeito das irregularidades apontadas pela reportagem, podendo ser feitas recomendações à Fundação Santa Lydia para que corrija as inconformidades detectadas”, informou o representante do MP.

Questionada, comissão da Câmara promete agir

Na Câmara, a responsabilidade por fiscalizar a gestão da Fundação Santa Lydia é da Comissão de Finanças, atualmente composta pelos vereadores Matheus Moreno (MDB), Daniel Gobbi (PP) e André Rodini (Novo).

Em nota ao JR, Moreno disse que vai solicitar documentos e esclarecimentos à diretoria da entidade. “Tomando conhecimento do resultado da auditoria, nas últimas semanas. A Comissão de Finanças, está solicitando informações adicionais e documentos complementares à Fundação Hospital Santa Lydía para esclarecer as dificuldades encontradas, de posse das quais deve encaminhar a discussão do assunto no parlamento, buscando parceria com a Comissão de Saúde e uma Comissão de Estudos – CEE, se for o caso”, declarou.