Servidor em home office recebe mais de R$ 20 mil em penduricalhos

Saulo Magron está em teletrabalho desde 2020 e mantém salário de R$ 27,1 mil graças a gratificações de chefia; ele é casado com funcionária considerada a mais influente do Legislativo

, atualizado

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Cópia de denúncia feita ao Ministério Público sobre a situação do servidor
Cópia de denúncia feita ao Ministério Público sobre a situação do servidor - Foto: Reprodução
Cópia de denúncia feita ao Ministério Público sobre a situação do servidor - Foto: Reprodução

O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar um servidor da Câmara que, desde 2020, segue em regime de home office mesmo após o fim das restrições impostas pela pandemia de Covid-19. O profissional, que tem salário-base inferior a R$ 5 mil, recebe perto de R$ 30 mil, com vencimentos turbinados por penduricalhos que ultrapassam os R$ 20 mil — mesmo sem comparecer presencialmente ao Legislativo.

A abertura do inquérito ocorre depois que o parlamentar André Rodini (NOVO) denunciar, em um podcast, o fato. A denúncia ao MP, entretanto, veio de um e-mail anônimo.

Enquanto a maioria dos servidores retomou suas atividades presenciais, ele permaneceu trabalhando remotamente e, paralelamente, cursando presencialmente o concorrido curso de Direito da USP (Universidade de São Paulo), em período integral e em horário comercial.

Documentos obtidos pela reportagem mostram que, no segundo semestre de 2022, por exemplo, Saulo estava matriculado em nove disciplinas, com aulas entre 8h15 e 17h, de segunda a sexta-feira. Em um dos dias da semana, sua carga horária na USP incluía quatro aulas consecutivas. Mesmo assim, segundo a Câmara, ele cumpria, à época, normalmente sua jornada de 40 horas semanais — remotamente.
Histórico

Saulo entrou na Câmara em 2009, com salário de R$ 1,7 mil, como digitador. Hoje, graças a uma série de benefícios concedidos pelo Legislativo, acumula gratificações e está entre os servidores mais bem remunerados da Casa. Parte dessa ascensão está ligada à concessão de funções de chefia, mesmo sem presença física no Legislativo nos últimos anos.

Com salário-base de R$ 4.883,78, o servidor soma impressionantes R$ 22 mil em penduricalhos, que incluem vantagem pessoal de R$ 7,5 mil, verba extra por atuar como pregoeiro (R$ 3,9 mil) e incorporações de R$ 4,5 mil, entre outros benefícios. Ele também integra a Comissão de Licitação da Casa.

Ele faz Direito

O servidor foi aprovado na terceira chamada do vestibular da Fuvest de 2021, com ingresso no curso de Direito da USP. Como aluno, mantém desempenho considerado excelente, com notas sempre superiores a 9. A previsão é de que conclua a graduação no próximo ano. O curso tem carga horária total de 4.800 horas.

A USP confirmou as informações. No entanto, a Câmara de Ribeirão Preto negou-se a fornecer detalhes sobre a jornada de trabalho do servidor. A instituição não explicou como é possível compatibilizar a carga horária da graduação presencial com uma jornada de 40 horas semanais no Legislativo, tampouco justificou as gratificações recebidas por funções de chefia à distância.

Outro lado

A reportagem não conseguiu contato com o servidor. O Jornal Ribeirão procurou a assessoria jurídica da Câmara e solicitou o telefone ou outro meio de contato com Saulo, mas não obteve retorno. Ao telefonar para o Legislativo para tentar localizá-lo, a atendente informou que ele cumpre jornada em home office, mas não forneceu formas de contato. A reportagem também tentou contato com sua esposa, Alexandra, mas as ligações caíram na caixa postal nas quatro tentativas feitas na tarde desta quarta-feira (2).

Vereador denunciou servidor em podcast

O vereador André Rodini (Novo) foi um dos três parlamentares que assinaram, em 2022, o pedido para que Saulo fosse retirado do home office. Recentemente, em junho, participou do podcast PodNext e comentou o caso, classificando a permanência do servidor em regime remoto como “uma vergonha”.
Procurado, o parlamentar afirmou esperar que o caso também seja apurado internamente pelo Legislativo. “Cabe ao presidente da Casa e à Mesa Diretora a administração do RH. Da minha parte, espero que essa situação seja resolvida, em nome da transparência no serviço público.”

Coordenador jurídico diz que funcionário tinha aval de chefia

O coordenador jurídico da Casa, Odair Luz, afirmou, em declaração dada em 2022, que a designação de servidores para trabalho presencial, híbrido ou remoto cabe aos chefes de cada departamento. “O superior hierárquico dele considerou que poderia mantê-lo no sistema”, disse.
Ainda segundo Luz, o controle da jornada do servidor passou a ser feito apenas no fim de 2022, com a implantação do ponto eletrônico. “Antes disso, era feito pelo superior direto”, explicou. Procurado em 2025, ele não comentou.

Saulo é casado com ‘presidente de fato’ da Câmara

Saulo também é casado com Alexandra Christino da Silva, funcionária concursada da Câmara, considerada uma das pessoas mais influentes da instituição.

Segundo servidores e vereadores ouvidos sob condição de anonimato, ela é apontada como quem, de fato, comanda a Coordenadoria Jurídica da Casa e exerce forte influência sobre decisões estratégicas e administrativas — incluindo nomeações, exonerações e distribuição de gratificações.

Em 2022, Alexandra também permaneceu em home office, acompanhando o marido fora do ambiente físico do Legislativo. Hoje, cumpre a maior parte de sua agenda em regime remoto.

Câmara ignora requerimentos

Desde julho de 2022, o jornalista Cristiano Pavini, do portal Farolete, denuncia que ao menos dois requerimentos foram protocolados com base na Lei de Acesso à Informação, solicitando a lista de servidores em home office, suas jornadas e documentos que justificassem flexibilizações para quem cursava graduação.

A Câmara negou os pedidos. Também foram negados dois pedidos semelhantes feitos pelo jornalista Eduardo Schiavoni.

Mais de três anos após a denúncia inicial e mesmo diante da ampla repercussão, a Câmara ainda não tomou qualquer medida efetiva para reavaliar a situação funcional de Saulo Magron ou revisar os benefícios que ele recebe.